sábado, 19 de setembro de 2009

Capítulo VIII - Nas Tetas da Serpente

"Pátria Amada, me segure em seus braços;
República Federativa do Bra'Z'il;
Amada mãe dos patrióticos laços;
Dê-me tua teta, sinto teu abraço;
Sirvo-te assim como me serves;
Leite para todos os bra'Z'ileiros;
Seus bezerros, seu potros...
Só que para uns mais do que para outros".

Prostrado na cama, estendido no sentido longitudinal, como a um ofídio... Cinco. A televisão ligada, (Uma mulher cheia de jóias e um tailleur vermelho, falando, gritando, "nos dê seu dinheiro e abençoaremos suas dívidas". Não passava mais de dez segundos sem parar de proferir a palavra dinheiro. Incrível) apenas por estar ligada. Ar abafado, má ventilação. Umidade nas paredes e no teto. Literalmente uma pocilga. Magro, pernas e braços finos. Calça social e camisa, dobrada um pouco depois nos punhos. Pesados óculos, lentes com anomalias no referencial de Gauss. Nas estantes, antigos livros que interessariam somente a um campo da ideologia política (Teologia da Libertação, Anarquismo, Social-democracia e Marxismo-Leninismo). As orelhas involuntárias deixam ainda mais caótica a aparência do amontoado de papéis, documentos, jornais, propagandas, lambe-lambes, flyers e demais registros gráficos. O inferno do homem, paraíso dos ácaros, sentença de morte aos asmáticos. Nada disso importava.
Demônios no coração deste Ser.
Sua ontognoseologia não ia nada bem. Miguel Reale martelava-o bem fundo no crânio. Por anos, um sinuoso Winston Smith lidando com o excesso da ausência de toda a opressão. Uma sociedade que não conseguia apodrecer o suficiente para oferecer-se como solução. Era impossível retirar o branco e preto do cinza. Maldita favila na atmosfera.
Por anos militando por um sonho que há muito já se desbotou. Qual não foi o continuísmo? Para que, para quem?
É duro perceber que toda a sua vida foi uma imensa inutilidade.
A guerra não veio, a revolução não chegou, Che não ressuscitou.
Tudo o que tem agora são estas provas velhas em suas mãos. Mãos magras veiras, rugas na testa e pescoço, cabelos brancos e outros mal tingidos. Cara de velho. Bolsas sob os olhos, carquilhas nas bochechas e pelos nas orelhas. Retrocontagem para a extinção.
Se essas informações caíssem nas mãos da imprensa? Mãos que servi e agora me esmurrariam, mãos que bati quando me alimentaram? A quem recorrer?
Que existência mais maldita.

O jovem cinco neste momento tinha todas as certezas do mundo em sua mente. Agora sabia quem era, onde estava o que fazia e pra onde ia. Achou seu nicho, a editora e a gráfica de um nascituro partido, escrevia textos, panfletos, fazia traduções e colaborava com o editorial do jornal. Um, seu mais novo companheiro, estreava como o mais novel político daquele movimento, sua primeira eleição. O líder incumbiu 5 de preparar os discursos de seus candidatos. Ao lado de Oitenta e Cinco não havia impossível, exceto um pequeno detalhe que incomodava, mas de tão pequeno era bom não se importar, o seus pares não gostariam que aparentasse esta emoção pequeno-burguesa.

-Cinco tem os originais.
-Mas que originais?! Perguntou Sete.
-As casas populares, Um. Lembra?
Sete não conseguia esconder sua felicitação. Só imaginava quantos favores conseguiria com esta prova nas mãos. Perguntou:
-Cinco, né? O que ele quer em troca?
-Olha, Sete, o cara é meio idealista.
-Todo preço tem seu homem, já achamos ele não foi? Agora só falta o mais fácil. Respondeu.
Quatro começou a ficar nervoso, não via seu quinhão na questão ser comentada:
-E a minha parte?
-Qual parte? Gracejou Sete.
-A minha p*rra! Três!! Quero que Três se F*da!!! Explodiu.
7 não se impressionou. Sangue gelado, anos acostumado com a bandidagem. Analisou 4:
-Sei o que Três fez com você. Mas sua parte não se recuperará assim (estalando os dedos). Seja paciente, pressinto que algo bom virá para nós, quero dizer, se você estiver comigo...
Quatro gelou. Sem palavras. Sete foi lentamente massageado seu ombro aos mesmo tempo que os olhos do rapaz arregalaram. Assim que o carro parou este saiu correndo. Sete:
-Que pena, é um belo rapaz. Falou para o motorista:
-Ligue pra Scheila, ela tem trabalho hoje. Motorista consentiu e começou a fazer o telefonema.
Scheila não tem número, ela só é mulher... da cintura pra cima.

Sete está no centro da metrópole. Precisa averiguar um QRU (ocorrência) numa das boates locais, briga. Não era nada, as malditas p*tas não conseguem se controlar no pó e saem estapeando umas as outras. Brigam por qualquer coisa, clientes, dinheiro, drogas. É tudo muito chato e estressante. Passa pelos travestis fazendo ponto embaixo da grande obra sombria do grande político 1.000.000 (um milhão) -porque nunca roubava menos do que este valor, roubava mais fazia-. É ótimo assim. Emparedou todas aquelas meio-mulheres, todos grandes e disformes. Tinha um deles, acho, não, tenho certeza, deve dinheiro a Sete. Os parceiros de 7 riem, embora ele não ache graça na situação. Dinheiro é dinheiro, é a sopa prefacial da humanidade e Sete quer ser humano. Desfere um chute na bunda do travesti. devedor. Agredir um travesti é uma dupla pena. A primeira é menor, é o hematoma. Passa; o Segundo é muito pior. O silicone deforma e parece goma caída. É para sempre, não tem conserto. Deformado, não tem clientes, sem clientes não tem dinheiro, sem dinheiro... não preciso nem dizer. É perpétua, é cruel, cruel demais, seria melhor a morte.
7 faz seu recolhe. Odeia gays e travestis.
A noite segue seu turno.

O "estagiário" chegou, Seis manda o motorista buscá-lo no aeroporto.
Um estagiário no jargão deles não é o mesmo que conhecemos. É uma forma carinhosa de se referir aos aspirantes na política. Seis já foi um. Foi treinado e doutrinado pelo mais velho, o mais forte, o mais importante. Resistiu a inúmeras batalhas no Congresso, CPIs, intrigas, chantagens, investigações. Passou incólume por todas. Seu bigode manteve-se intacto todos esses anos.
Dez chegou, um moleque. No calor da parca existência (Que mais bela essência).
Já conhecia Um, dispensavam apresentações.
Seis perguntou, mesmo já antevendo a resposta:
-Por que te mandaram aqui?
Dez: -Porque é o melhor entre os melhores.
Seis sorriu:
-Então Dez, te prepare, hoje vamos fazer chacoalhar a árvore do dinheiro paulistano.
Odiava São Paulo com todas as suas forças. Se algum dia fosse presidente, faria o estado paulistano chafurdar na miséria, na violência, na corrupção, na sujeira e ser reduzida a uma caatinga indigente e dependente de caminhões pipa. Que sonho maravilhoso. Os paulistas e paulistanos mendigando no Planalto, implorando migalhas... hehehe. Estado maldito.









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