domingo, 13 de setembro de 2009

Capítulo VII - Seis Graus de Separação

As sereias cantavam;
Alegres se fartavam;
O sol refletindo nas águas;
Sob as pedras da enseada;

Tão belas, quanta formosura!

Risos, sensuais brincadeiras;
Envolvendo as caudas reluzentes;
Tez como delicadas macieiras;


Banqueteiam neste momento;
Sob a sombra das aves marítimas;

Cada deslumbrante movimento;

O escarlate entre os dedos;


...do sangue do destroçado marinheiro.

A reunião com a cúpula da universidade, governo do estado, polícia militar, sindicatos e estudantes fora um sucesso. Somente os caputs falaram, entrementes todos estavam bem assessorados. A participação de Cinco foi ativa, apresentava contra-argumentos, réplicas, tréplicas, avisava dos embustes. Foi perfeito. Seis graus de separação. O líder não levou apenas seu causídico, lá estava também Um, que era mais novo que Cinco. Sete também estava lá, era o capitão da PM (mais jovem e com muito mais sonhos).

Após a reunião a greve chegava ao seu fim. Cinco que mal fora apresentado a Um, agora estavam devidamente cortejados, até pareciam amigos de longa data. O líder estava feliz pelo desfecho e o sindicato conseguira o aumento almejado. Haveria uma festa em homenagem pelo fim das manifestações.

Bat-macumba, Anamauê...

Sete estava inconformado. Achava que o Estado era muito mole com os subversivos. Sentia que a polícia há muito já perdera o brilho, não via-se realizado ali. A sociedade mudara, os planos mudaram e a polícia ainda vivia nos idos do golpe. Acontecia algo no ar, os ventos não balançavam mais as velas, mas carregavam os barcos. Aquela violência tão necessária até pouco tempo parecia neste instante um grande desperdício humano. A agressividade das pessoas, dos próprios bandidos crescia, entretanto a reação policial ainda mais hostil, parecia ineficaz. Tudo era inútil na corporação... Sete percebia-se obsoleto.

O impensável acontecera. Pouco depois do fim da greve na universidade, a própria corporação tentou a sua. Baixos salários, péssimas condições de trabalho, mau treinamento dos recrutas, alta mortalidade nas operações...; Ainda com resquícios de seu idealismo, sua obediência, Sete não aderiu. Muitos dos seus colegas, inclusive amigos foram às manifestações. No fundo, torcia para que desse certo, para que conseguissem. Mas tudo deu errado.
Desprotegidos pela CLT por serem estatutários, os policiais não podiam buscar a guarida da Justiça do Trabalho, o dissídio coletivo seria julgado pela Justiça Comum. Com a relação promíscua entre a justiça comum e o Poder Executivo Estadual, a greve foi decretada ilegal e foram todos obrigados a retornar a seus postos. A retaliação do Governo veio em seguida, transferindo boa parte dos grevistas para postos distantes de suas residências. A situação era insustentável, não obstante ganharem mal, precisavam gastar ainda mais com conduções. Muitos não aguentaram e pediram exoneração. Procuraram no setor privado melhores condições.
Com a limpeza feita pelo Governo Estadual, 7 como não aderente, subiu de patente logo em seguida. Um parte de si estava feliz, outra corroída.
Pouco depois, numa operação dentro de uma grande favela, um amigo próximo foi barbaramente fuzilado (peneirado para ser mais sincero) pois sua viatura não deu partida na hora do contra-ataque dos traficantes. Todos policiais, civis e militares da invasão conjunta precisaram dar vazão pois não esperavam tamanha reação, menos o grupo do seu colega 7880; seis que ficaram apara trás morreram. Mas isso não era tudo. Não havia coletes para todos, ou algumas armas falhavam ou munições eram de má qualidade. Com este final melancólico, a greve lhe doía no pensamento.
Passado alguns meses, assistindo a história se repetir, no vestiário da corporação Sete decretou:
-Amanhã eu entro pra política.
Todos riram.

Seis estava com Um quando recebeu uma ligação do seu coronel, seu mentor, o líder supremo do partido:
-A macumbeira é muito forte.
Seis, em tom sóbrio: Por que senhor?
-Cento e vinte um, calibrou demais e está no hospital. Nosso caminho está livre. Foi melhor do que esperávamos, foi como a macumbeira falou.
Seis, fingindo não entender: como assim?!
-Ahhh Seis, não seja tão tolo comigo. Fiz meus contatos, prepare Um para uma reunião com a cúpula da indústria & comércio paulista, aquele pederasta do Nove nos garantiu apoio irrestrito e o principal: dinheiro.
Seis: Quanto custou?
-As obras. Quer exclusividade...
E complementando, como se tivesse acabado de se lembrar:
-Ah, leve o "estagiário" com você. Está na hora de você ter um pupilo.
Seis:-Não entendo.
O líder, um tanto impaciente:
-Apenas leve o moleque com você!
Seis contrariado: - Sim, Senhor.
-Mantenha-me informado.
Mais um
"Sim Senhor" e encerram a conversa.

A casa de Um fica num dos melhores bairros da metrópole, Jardim...
Um, Dois e Seis estavam no quarto separando as roupas para campanha. 6 centralizava tanto o poder em sua mão, que fazia às vezes também fazia o papel de
personal stylist. Mandava Dois pegar aquela ou esta roupa, bons ternos, elaborados por excelente alfaiates. Muitos italianos, os melhores.
Dois admirava os estilo de Seis, seu charme, seu porte imponente, forte e centrado. Um rosto com traços marcantes, até poderia ser um galã de novela. De repente, Um olha pela janela:
-Dois! O homem da reciclagem chegou, leva o papelão pra ele!
Seis, consente:
-Pode ir Dois, leve o papelão, esperaremos aqui.
Dois sai, Seis para Um:
-Está preparado para a maratona?
Um: dependo disso pra viver, não?
Seis trasgueando pega uma cueca suja no chão e joga na cara de Um.
-O que você está fazendo?!
-(Com um leve sorriso sarcástico) Tá na hora de se acostumar a beijar as criancinhas remelentas. Comece com isso aí. Vou pedir para Dois preparar um delicioso sarapatel pro almoço, garanto que vai comer coisa pior quando subir o morro.
Um, não responde. Faz uma cara de contrariado, não esperava passar por tamanha humilhação. Odiava beijar as crianças liposas que os favelistas traziam. Conformou-se.

Já meio tonto de tanto beber, Cinco participa de uma roda de discussões com as cabeças do movimento. Um também está lá. Cinca acha-o bastante diferente dos outros, pois Um, apesar de cursar engenharia na *oli, tem tino político. Não é muito inteligente, nem tem muita cultura, percebe-se logo; mas sua tempestade e ímpeto são cativantes. Tem habilidades para lidar com todo tipo de pessoa e é protégé do líder. Começam uma roda do
quimbundo makaña. Cinco inexperiente nessa área começa a rir e a enrolar a lígua. Percebendo, o líder pede vivas para o Companheiro 5, por seus excelentes serviços à causa. Mas Cinco só tem olhos para Oitenta e Cinco, seu coração palpita. O líder percebendo a situação, cochicha no ouvido de 85 e esta levanta e leva 5 para a fora.
Cinco ri, está feliz apesar de não compreender exatamente o que se passa.
Oitenta e Cinco dá um beijo em Cinco e este retribui. Os músculos relaxam, outros enrijessem. Não se falam.
85 deita 5 no chão. Sua sereia começa a baixar sua calça ao mesmo tempo que levanta a saia e puxa sua peça íntima para o lado. O marinheiro é devorado. Seus nervos convergem para seu sexo, a fricção torna-se insustentável e o calor no ventre se esparrama lentamente. Milhares de Cincozinhos nadam pelas paredes internas de Oitenta e Cinco, mas morrerão, pois ela utiliza-se de métodos contraceptivos. Melhor assim.
Ela tem que ir. Ele se levanta e vai para o outro lado, também tem que ir pra casa. O THC e do etanol já começam sumir do organismo. Mas a euforia é natural, não precisa de nenhuma substância para sentir-se assim.
(Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás).
Tudo seria em função da 'revolution'.

Sete chega ao hospital. Um tanto colérico, mas sem apresentar sinais exteriores. A noite fria lhe obriga a usar um sobretudo negro, pesado. Seus passos ecoam no hospital, vai direto ao elator. No espelho do elevador distingue-se seus cabelos negros, crespos, levemente grisalhos; porte alto e atlético, pois jamais perdera o hábito de exercitar-se, mesmo fora da corporação. A larga mão aperta o botão do andar, assim como a luz da máquina elevatória reflete em seu enorme anel de ouro. Mão esquerda, mãos com suas veias saltadas e um tanto enrugadas, entregando a idade. Acha rapidamentne o quarto 2331, onde Bispo 121 está.
Toc toc.
Um voz tíbia:
-Pode entrar.
-Cento e Vinte e Um.
-Sete.
-Como está?
Bispo 121 põe o fito nos olhos de Sete, mas abaixa logo em seguida. Vergonha:
-Bem, acho.
A voz lhe entrega, não está nada bem.
-O que realmente aconteceu?
Bispo Cento e Vinte Um reluta, mas ao se lembrar no investimento desperdiçado em si, confessa:
-Estava me preparando para um sermão. Seria um dos melhores, era pra campanha, sabe?
Sete só observa.
-Precisei calibrar um pouquinho, sabe, pra abençoar a pregação.
Silêncio.
-Acontece que a coisa era pura, era boa demais... forte demais, aí foi o que aconteceu.
Sete:
-E Motel?
-Uma das garotas foi gente fina, conhecia ela. Ela ligou e se mandou. Deu pra encobrir, meu pessoal resolveu tudo.
Sete se senta, acende um cigarro. Cento e Vinte Um não está em posição de contestar. A fumaça lhe machuca a garganta. Num lampejo de sinceridade, 7:
-Você é um b**ta 121! Tem ideia do dinheiro que botamos na sua campanha?!
Cento e vinte e Um redarguindo:
-Minha mãe colocou o dela também, todos os templos colocaram os seus, não tem só sua grana aí não!
-É um moleque mesmo. E vai se dar mal, estamos saindo da coligação, está sozinho agora.
Bispo Cento e Vinte Um começa a sacudir a mão de nervoso:
Não pode fazer isso comigo! Não pode!!
Um enfermeira entra e ordena silêncio, Bispo 121:
Cala boca vadia! E para Sete: -E... e, e o vice?
Sete, pisa no cigarro sob os olhares de censura da enfermeira e secamente dá a questão por encerrada:
-Fora de cogitação.
Bispo 121 começa a balbuciar palavras ininteligíveis. Sete com uma calma nervosa, fita o Bispo com seus negros olhos e apontando:
-Primeiro: a conta vai pra sua mãe; Segundo: se não quiser morrer, cale a boca; Terceiro: amanhã mesmo me reunirei com Seis, vou propor outra aliança.
Bispo Cento e Vinte Um, mais do que rapidamente:
-Ele não vai querer, lembra do que fez pro partido dele, eles te odeiam.
Sete, em réplica:
-Não me odeiam, isto é política. E, além do mais, dessa vez, tenho uma carta na manga.
Bispo 121, com toda sua magreza, seus curtos cabelos encaracolados, membros finos, testa larga, encolhe-se cada vez mais em sua cama; parece sair de órbita. Voltando rapidamente a si, com um meio sorriso na cara, o sorriso amarelo do perdedor:
-Sabe uma coisa boa disso tudo?
Sete não responde, somente enruga sua testa já bastante definida pelo tempo.
-Pelo menos eu não sou gay.
7 se levanta e desfere um tapa na cara do Bispo. Forte o suficiente para derrubá-lo da cama. Saindo do quarto escuta a risada ao fundo, uma risada insana.
Não dá muita importância, tem plena certeza que terá sua desforra mais adiante. Só precisa pensar melhor.
Chegando ao saguão, como havia combinado, Quatro lhe espera.

Dois carrega todo o papelão para fora da casa. Sempre levava à rua para que o catador transportasse para a reciclagem. Era diferente do lixo comum. Dessa vez, o carroceiro não era o mesmo. Um tipo diferente, alto, esguio, mulato e com sobressaltado bigode. Roupas surradas, calça azul e camisa branca, aberta, mostrando abdômen definido pelo peso da carroça.
Dois pergunta pelo carroceiro anterior e o novo responde que está doente. Dois pergunta seu nome e ele responde:
-Oito senhora.

















Nenhum comentário:

Postar um comentário