segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Capítulo XI - Eleva-te, sustenta-te...

Onze é um atrás do outro. Atriz, alta, amável... fileiras de homens em seu encalço (um atrás do outro). Trabalha em novelas, atua no teatro, faz comerciais de imóveis e ganha muito bem para isso. É queridinha dos programas dominicais, daqueles de fazer chorar.
Tem uma pequena queda por drogas, mas nada que arranhe sua resplandecente beleza.
Carrega em seu currículo dois casamentos, o primeiro com um conhecido diretor de novelas (filho A) e após o biênio, um banqueiro (e mais outro filho, B). Dois anos já o suficiente.
Uma outra quedinha por pílulas e barbituricos também não é o suficiente. É preciso coroar a formação, é preciso garantir a aposentadoria: um político.
11 finge não ver o bissexualismo de 7, afinal já saira com gays. Sete comparece, Sete é proteção, Sete é poder. E não existe tesão maior do que poder.
Doze, produtor de filmes, por exemplo, nunca a comeu. Tomou-a como protégé. ensinou tudo o que sabia, acompanhou seu crescimento artístico, mas nem um mísero beijinho. Sem poder sem tesão, simples.

Cinco despedaçou-se quando descobriu. Oitenta e Cinco e Um, juntos! Aquela puta!!
Sentia o sangue negro do ódio percorrer-lhe os vasos capilares. O
animus necandi vir-lhe à mente. Ao mesmo tempo que apercebia-se de sua insignificância... "sem poder sem tesão". Era um secretário, recebia ordens, subalterno, que mulher gosta de um servente? Doía demais, mais do que podia aguentar.
Mas era um omisso, um fraco, um frouxo. Tanto tempo no partido, dividido, dominado pela máquina, já não havia o que fazer; ir para os cantos e lamber as feridas, gritar para que quiser ouvir seu pequeno odiozinho contra Um. Podia aguantar sim. Todos suportam, por que não suportaria? Tinha algo a perder, sua ira pequeno-comunista. Suas bandeirinhas sociais, sua pequena corrupção estilo "fins justificam os meios", seus pequenas hipocrisias (idiossincrasias).
-Tolerarei pelo partido!
Era uma boa desculpa. Que babaca.

Um sai da sala choramingando. Teatro. O importante é a grana. Garantir a campanha.
Nova telefona para sua mulher (o maior metro quadrado de jóias do Bra'Z'il):
-Querida, estou indo pra casa, precisa de algo?
-Queijo de Alce.
-Algo mais?
-Não.
-Ok.
É assim, mais afetuosos impossível, apesar que soar melhor a muitos casamento por aí.
Solicita o ajudante de ordens, ordena a compra do moose cheese e aproveita que este faça uma cópia duma fita que acabara de gravar. Só pra garantir, "o seguro morreu de velho", sempre dizia.

Cinco carregava um pacote pardo, todos sabem o que um papel pardo significa. A humanidade é idiota. Caga na água que toma, nem os animais (fora os peixes) fazem isso. Documentos essenciais num papel pardo.

10, mais calmo: -o que realmente aconteceu?
6, -9 é um líder nato, pode-se odiá-lo, mas é difícil questionar seus métodos.
10, impaciente: mas o que aconteceu p...?!
6: uma garantia, arras, um sinal... 9 quer ter certeza que não perderá. Ele nunca perde. Precisa de um dossiê, ao invés de ir ao mercado comprar um prefere fabricá-lo. Da mesma forma, expõe que está no comando da situação, é o macho-alfa agora. He he, uma pequena tacada para diversos coelhos. Um verdadeiro mestre.
10, um tanto enojado: -jamais faria isso, é como vender a alma pro demônio. Esse cara é o verdadeiro belzebu.
6, sarcástico pela ingenuidade do estagiário: duas lições meu caro jedi, a primeira, em política não existe o advérbio "nunca"; em segundo lugar, já vendestes... Avise o velho. Diga que deu tudo certo.

caaaatiiiiingaaaa.
Nuvens de poeria e espinhos.
Não é deserto, mas também não é cerrado. É errado, é certo.

Não é por ser o ciclo da seca, muito menos pela miséria. Dois odiava água parada, água barrenta, sinônimo de doenças... A molecada entrava, mas tinha tino de perceber o que viria. Todos os onze irmãos barrigudos, inchados, infestados de vermes. A esquistossomose era severa naquela paisagem áspera, era rezar para não pensar.
Um dia se compra um sonho para o paraíso. Num manjadíssimo pau-de-arara. A caralhada em caravana, rumo à terra do leite e do mel.



quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Capítulo X - No Caminho do Cisne

No mesmo país, duas estações. O norte e nordeste, úmido e calorento. Sul frio, sudeste temperado. Centro-oeste seco e quente. No lago gelado cisnes (de-pescoço-preto); tão leves que parecem papel sobre a linha-d’água. Exceto pelo vento, que diminui a sensação térmica ainda mais. Ondulando um tantinho o imenso lago no suleiro parque. Num banquinho de madeira uma solitária figura fuma seu lenitivo cigarro. Quem não fuma não entende a maravilha do tabaco. A fumaça no frio acalenta os pulmões, assim como uma leve sensação de euforia e bem estar invadem cérebro. Tudo fica bem, os pensamentos ficam mais claros, tudo é passível de ser administrado. Os neurônios parecem mais vivos do que nunca. Como é bom...
Sete, encapotado em seu sobretudo preto, fuma cigarros light. Precisa mexer as peças, está particularizando uma estratégia. Perdeu seu candidato, vai precisar alugar outro (Um). É pouco. Existe outra ameaça também. A candidata do partido do meio-ambiente. Sim... perigosíssima. Candidatura de última hora, rápida catalisação nas pesquisas. É preciso fazer algo...
Liga para Três.

Após uma campanha maravilhosamente bem sucedida, Cinco era secretário da cultura. Respondia diretamente ao seu “amigo” e recém eleito Um. Nada era impossível, um rolo compressor, uma força que dizia à montanha: - afasta-te! E ela se desfalecia.
A honestidade era o lema, era a lei. Eram mais que os outros, eram diferentes, eram o novo, eram os super-poderosos (os foderosos). Tinham suas estrelas na agremiação, Um, por exemplo; suas foices que ceifavam os fariseus do mandato anterior (que eram como cães deitados nas manjedouras dos bois. Não comiam, nem deixavam os bois comer),por fim, os martelos, como Cinco trabalhavam como burros de carga no engajamento das “causas” que chovessem em seus jardins. Fé cega.

Nove em meio aos seus, hum..., asseclas ditava as próximas medidas. Desoneração fiscal, reclames de repasses e super-faturamento na obra do anel viário. Só se põe o primeiro cimento, quando todos os pingos estiverem nos is. Era impressionante sua capacidade intelectual, os planejamentos, as diretrizes, a frieza e inabalável calma ao lidar com os problemas. Na dialética de 9, só cabia contra-argumentar monossilabicamente (hum), no máximo, amém.
Chegam à távola redonda, Seis, Dez e Um, cumprimentam todos os presentes pelo nome (o egípcio livro dos mortos foi de grande utilidade aqui). Nove, somente acenando, analisa, prepara sua estratégia:

Seis, começando: -Senhores, acho que não é mais segredo para ninguém aqui que estamos em campanha , e Um é nosso candidato.
Nove: -E qual seria o motivo de tão cordial visita, se não para pedir dinheiro.
Não tem papas na língua, é bom em constranger e sumarizar o assunto. Daí sua grande capacidade para negócios.


Um, em retomada: -estamos dispostos a ceder.
Nove, à Jaba, The Hutt: o quanto?
Um: 25% das licitações. 100% da merenda escolar.
Nove, muito bem informado por sinal: -Não vai recuperar o prejuízo que deu ao teu partido. Estamos com 365, a candidata do meio-ambiente. Desista vá embora.
Seis, nervosamente testa antes que tudo se perdesse: -Senhores... senhores calma. Acho que podemos chegar a um meio termo. Não podemos ceder totalmente a construção civil, realmente temos esse prejuízo. Todavia, garantiremos a merenda, com exclusividade (frisando exclusividade). Em um ano podemos reerguer para a campanha presidencial. Existe um bônus senhores... é... sim, existe um bônus... os medicamentos do sistema de saúde. Retiraremos as câmeras, e colocaremos nosso pessoal. Os medicamentos serão exclusivos de Vossas Senhorias, assim, que recuperarmos o dano, ruas, casas populares; porém só o suficiente para encostar no limiar da lei de responsabilidade. O valor de V.Sas. é X!
Nove: -hahaha, muito pouco.
Seis: -Como!? Demos tudo, é mais do que o suficiente. O que mais você quer?
Nove: -Fidelidade.
Seis, Um e Dez, olhando uns para os outros, sem entender.
Nove, em continuidade: -quero fidelização, certeza absoluta que mais pra frente não serei passado para trás.
Seis: -... tem a nossa palavr...
Sem conseguir terminar.
Nove, peremptoriamente: -Senhores, saiam! Um fica.
Todos os asseclas encolhem seus ombros e como cachorros colocam seus rabos entre as pernas caminham para fora.
Seis entendendo o que está para ocorrer, começa a tremer.
Dez, em cochicho para Seis: - o que vai acontc...
Seis: -cala boca! Vambora.
Um: -onde vocês vão?
Seis: -desculpe, mas vai ter que passar por isso. Nada aconteceria se não fosse culpa sua.
Um: eu... eu... como pode?!
Seis, encostando a mão no ombro de Um: -meu caro, ou é isso ou é a morte.

Seis praticamente sai empurrando Dez para fora da sala: -vamos esperar na rua.

Um em desespero vê Nove ligando uma câmera: -Vire-se e encoste na mesa Um!
Assim que a câmera é ligada Um começa e ser sodomizado.

Quatro, dentro do muquifo de Cinco:
-Não podemos deixar isto acontecer, leve os documentos para Sete.
-Pra que? Não quero, vamos esquecer.
-Meu, meu pai disse. Disse que você tinha a papelada. Só Sete pode deter Um nesse momento.
-É jovem, e é idiota. Vá.
-Olhe pra você! Que decadência, que porcaria. Poderia ter tudo e está aí, caidão. Fazendo papelzinho pro partido, jogado pra escanteio. Em troca do que? Ideologia de m...
-Cala a boca! Sabe de nada.
-Direi a Sete, que aceitou, é pro seu bem.

Quatro saí. Sete lhe dera o caminho das pedras, agora é só esperar acontecer. A raiva só aparecerá quando Cinco vir Um na tevê, todos os dias no horário político. O coração dos homens é sempre igual. O orgulho e a vingança.

Quem conhece o pai e mãe pode ser chamado de filho de uma prostituta?

Acho que não.

Foi de repente. Cinco adentrou o gabinete de Um vislumbrou Oitenta e Cinco de joelhos ante 1. Foi como uma chibatada no músculo cardíaco. Com a testa fervendo, nada mais importava, o que iria fazer lá, o que ia falar... saiu correndo.
Todos os pensamentos atravessando suas ideias, as lembranças, o que achava que sentia, o que achava que sentia por ele, o orgulho, o desespero, mas principalmente, a impotência. A maldita sensação de que não é bom o suficiente para dar tudo o que 85 precisaria. A fidelidade, a paixão com que adentrou na causa... Nada a impressionara? Sou pior do que Um?
Quando não se aceita ser corno é muito pior, pior porque reflete em todos os atos da vida civil. Tudo fica uma b...

A estrela se apagou. Cadente... caiu.

Aproveitando a saída de Um, Seis e Dez, Dois e Oito aproveitaram para se encontrar no quartinho de empregada. Abafado e úmido, era perfeito para um coito vespertino. Após o ato em si, 2:
-Como você conseguiu estes músculos?
8: -De tanto puxar a carroça.
2: -Puxa muito, meu gato?
8, com seus poucos dentes: -Às vezes o dia inteiro (com um certo orgulho).
-Muitas vezes sem comer nada.
2 impressionada: -E como você agüenta?!
8: -Com isto.
Saca um saco plástico com pequenas pedrinhas brancas. Dois se assusta:
-Meu Deus, que que é isso?!
8: -pedra. Pra tirá a fome, pra trampar...
Dois cada vez mais assustada:
-Num quero isso aqui não. Tira isso daqui.
Oito, dando a menor pelota, tira um cachimbo do bolso e queima a primeira pedra (barulhinho típico). Vira o cachimbinho para Dois, nervosamente:
-Se não der um aqui te encho de porrada! Fuma esta m... Se fumar uma só eu saio.

Só que uma só já é o bastante. Mesmo que não se trague, o calhau traz a euforia e uma pequena sensação de que tudo-pode, tudo-se-faz... um certo bem-estar. A primeira é sempre a mais inacreditável, é a melhor....

Sete termina seu cigarro. Olha o relógio e pensa: -ela não vem. Quando se levanta vê que ela está vindo em sua direção. Um porte elegante, como um cisne na lagoa. Sua boina, seu casaco de pele, mãos finas e olhos extremamente azulados. O vento espalha um pouco dos seus louros cabelos, numa valsa a dar sentido à natureza.
Quando ela chega, o cumprimenta com três beijos no rosto. 7 está mais leve, a beleza alivia a alma. Isso é uma coisa espirituosa dos giletes. Eles se dão bem nas duas direções...

Onze é estonteantemente linda.

Ю

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Capítulo IX - 999

Não era música, era massa sonora ruidosa. Coisa pestilenta. Reproduzida por um acordeão, triângulo, teclado (bem brega por sinal) e outros instrumentos. Uma moça usando top(zinho), rebolando e expondo a gelatinosa pança para sua platéia. Abusava dos agudos vocais até o estouro dos tímpanos dos mais incautos.

Seu par de canto, não menos ridículo, tem o cabelo alisado à base de muito hair tong, mais conhecido nessas bandas como "chapinha". Só mesmo muito manguaçado pra aguentar o ambiente catinguento pelo excesso populacional. Uma mescla de cigarro, pinga e suor. Infelizmente para muitos a única fonte de lazer que cabia no orçamento doméstico.

O mulambo cruza uma floresta de pessoas com o fumo na mão. Incrivelmente consegue se esquivar de todos os transeuntes na pista até chegar ao balcão. Pupila dilatada e o branco dos olhos tão vermelhos quanto os néons de bordéis locais. Pede mais uma, a décima, mas ainda está de pé. Puxou muitas viagens com a carroça durante o dia.

No recinto, uma mulher encorpada, dentro do seu vestido de pano, dança fastiamente seu forró. Parece não estar muito interessada no seu par e sai para pegar mais uma bebida...

-Oi, você não é moço da carroça?

Ele responde: -

-Ãn, mmm mmm (tradução: é, sou).

Ela insiste na conversa: - E o que o Senhor tá fazendo aqui?

Ele retruca: -Tva, é mm eu luuugrrrr sssa irrrr... (Estava, garbosa mulher. Este estabelecimento é de minha magnânima preferência).

Dois percebe que Oito está prestes a cair, carrega-o em seus grossos braços e vai pra pista.

Agarra-o e começam a dançar.

Ele: -kkk qãn bmmm kkra thá? (Por que me carregas em teus membros superiores. Por onde andaria teu exordial companheiro?).

Ela surpresa por ele ter reparado: -Vamo dançar! Vamo dançar! Ele deve tá caído por aí.

Oito volatilizava o álcool em velocidade sobre-humana. Naquele momento os dançarinos, a zabumba, sanfona e triângulo eram um só. 8 revelava-se ágil nos passos e firme na dança. Conduzia 2 como só se houvesses somente os dois, ou melhor, como um só.

A poeira levantava, as horas passavam, pessoas iam embora, a banda há muito deixou de tocar e mesmo só com o som do DJ, o momento congelara-se lá. Dois até pensou um pouquinho no homem quem dançara anteriormente -Ele já deve ter ido embora-. Não gastou muito tutano com isto.

Não é preciso dizer que pouco antes do amanhecer ambos estavam num dos motéis econômicos da região. Mais um dos notórios coitos à brasileira [sem proteção] (quando essa gente vai aprender?!).

Dois retornou para sua moradia esfuziante. Oito voltou pra qualquer lugar. Onde deitava sua cabeça era seu lar.


X


Cinco acabara de fazer amor com Oitenta e Cinco. Esta se levanta pega as roupas e se apronta para sair. Ele um tanto incomodado com esta reiterada postura indiferente pergunta:

-Por que você faz sempre isso, por que não fica um pouco mais comigo?

Ela ríspida: -Ué, é meu dono agora?!

Sai batendo a porta.

Cinco aos poucos começa a entender como as coisas são. Seu coração apertado e angustiado já processavam a informação de que não é mais a prioridade de 85. Há muito já notava. Acabara-se a adrenalina, a pegação, as tardes antes das aulas. Tudo estava intensamente rápido, frio, vazio.

Não tem muito tempo para seus anseios. Logo deveria encontrar-se com Um para a reunião do partido. Cinco passou os últimos cinco dias elaborando o jornal interno e circulares. Seria um importante passo profissional, afinal quase todos os jornalistas do país de alguma forma eram ligados à ala que pertencia. Queria estar neste momento no lado vencedor e Um era uma estrela em ascensão.


X


-Um é uma estrela em total decadência. Explicava Seis ao estagiário, 10: -Teoricamente não vamos usar o dinheiro do partido na campanha, um terá que suar para financiar sua jornada rumo à Prefeitura.

-Mas como ele vai conseguir tanto dinheiro, depois de tudo? Seis, um tanto atarantado pela pergunta inesperada: -De Nove pode-se esperar tudo. Provavelmente negociarão cargos na administração direta e no Tribunal de Contas Municipal que criaremos.

Dez, com o fulgor da inteligência da juventude, porém ingenuamente: -Mas não é proibido pela Constituição no seu parágrafo quarto do artigo trinta e um?

Seis e Um começaram a gargalhar com tamanho disparate como não faziam há tempos.

Desconheciam a palavra proibido. Acho que também desconheciam a palavra Constituição.


X


No coração financeiro da capital, Nove reunia-se à nata metropolitana.

9 é diferente de outros presidentes de federações de indústria. Tem pedigree, é bisneto de italianos que chegaram da imigração, o bisavó no começou como industriário e rapidamente subiu, chegando a ter sua própria indústria. O avô deu continuidade, aumentando o número de fábricas; o pai veio e modernizou o parque industrial, sofreu com as "grandes greves" da "grande metrópole". Nove praticamente sumarizou o veni, vidi, vici das gerações antepassadas. Sua liderança é inconteste no meio. Entrou e saiu da política várias vezes para defender os interesses do seu estado (entenda como quiser), sendo o Senado uma de suas casas favoritas.


Entretanto, sofre de um pequeno desvio. Uma moléstia de família que seus progenitores também não conseguiam disfarçar: a concupiscência. Nenhum mesmo... o bisavô pelas concubinas, o avô pelo jogo, o pai pela erythroxylum coca e 9 por sua pública compulsão sexual por homens.


Por saber lidar muito bem com o poder, a ala religiosa não consegue detê-lo, por isso aceitaram a derrota e tentaram contemporizar. Era melhor juntar-se a ele, pois sua ira é colossal, não admite traições. Carreiras brilhantes já sucumbiram em apenas uma ligação sua às pessoas certas. A primeira coisa que se ensina ao imprudente antes conhecê-lo: é que não pode ser contrariado. Ainda assim, sua bênção é prestigiosa, apesar do alto preço cobrado em troca. Às vezes alto demais.


X


Seis seguia uma instrução cuja sugestão fora de sua autoria. É jocoso como nossos chefes nos tomem as ideias como se deles fossem. É como no Brasil que tem sua biodiversidade explorada, copiada ou simplesmente pirateada e depois somos obrigados a comprar mesmíssimos produtos que por direito natural já eram nossos!

Após instruir Um para a reunião, Dez, o estagiário, perguntou: -E o que vai acontecer nessa reunião?

Seis após um pequeno momento de reflexão, disse: -Realmente não sei.

Sentiu que pela primeira vez poderia perder o controle da situação. Nove era onipotente, onipresente, e onisciente nesta parte do país. Um deveria tomar muito cuidado com as palavras, bem como deveria aceitar qualquer termo, encargo ou condição que lhe fosse imposto. Era muito dinheiro pra recuperar em apenas dois anos de mandato. A eleição presidencial era uma constante. Era preciso fazer 666 virar 999, a qualquer preço.


X


Onze ainda não entra na história.


sábado, 19 de setembro de 2009

Capítulo VIII - Nas Tetas da Serpente

"Pátria Amada, me segure em seus braços;
República Federativa do Bra'Z'il;
Amada mãe dos patrióticos laços;
Dê-me tua teta, sinto teu abraço;
Sirvo-te assim como me serves;
Leite para todos os bra'Z'ileiros;
Seus bezerros, seu potros...
Só que para uns mais do que para outros".

Prostrado na cama, estendido no sentido longitudinal, como a um ofídio... Cinco. A televisão ligada, (Uma mulher cheia de jóias e um tailleur vermelho, falando, gritando, "nos dê seu dinheiro e abençoaremos suas dívidas". Não passava mais de dez segundos sem parar de proferir a palavra dinheiro. Incrível) apenas por estar ligada. Ar abafado, má ventilação. Umidade nas paredes e no teto. Literalmente uma pocilga. Magro, pernas e braços finos. Calça social e camisa, dobrada um pouco depois nos punhos. Pesados óculos, lentes com anomalias no referencial de Gauss. Nas estantes, antigos livros que interessariam somente a um campo da ideologia política (Teologia da Libertação, Anarquismo, Social-democracia e Marxismo-Leninismo). As orelhas involuntárias deixam ainda mais caótica a aparência do amontoado de papéis, documentos, jornais, propagandas, lambe-lambes, flyers e demais registros gráficos. O inferno do homem, paraíso dos ácaros, sentença de morte aos asmáticos. Nada disso importava.
Demônios no coração deste Ser.
Sua ontognoseologia não ia nada bem. Miguel Reale martelava-o bem fundo no crânio. Por anos, um sinuoso Winston Smith lidando com o excesso da ausência de toda a opressão. Uma sociedade que não conseguia apodrecer o suficiente para oferecer-se como solução. Era impossível retirar o branco e preto do cinza. Maldita favila na atmosfera.
Por anos militando por um sonho que há muito já se desbotou. Qual não foi o continuísmo? Para que, para quem?
É duro perceber que toda a sua vida foi uma imensa inutilidade.
A guerra não veio, a revolução não chegou, Che não ressuscitou.
Tudo o que tem agora são estas provas velhas em suas mãos. Mãos magras veiras, rugas na testa e pescoço, cabelos brancos e outros mal tingidos. Cara de velho. Bolsas sob os olhos, carquilhas nas bochechas e pelos nas orelhas. Retrocontagem para a extinção.
Se essas informações caíssem nas mãos da imprensa? Mãos que servi e agora me esmurrariam, mãos que bati quando me alimentaram? A quem recorrer?
Que existência mais maldita.

O jovem cinco neste momento tinha todas as certezas do mundo em sua mente. Agora sabia quem era, onde estava o que fazia e pra onde ia. Achou seu nicho, a editora e a gráfica de um nascituro partido, escrevia textos, panfletos, fazia traduções e colaborava com o editorial do jornal. Um, seu mais novo companheiro, estreava como o mais novel político daquele movimento, sua primeira eleição. O líder incumbiu 5 de preparar os discursos de seus candidatos. Ao lado de Oitenta e Cinco não havia impossível, exceto um pequeno detalhe que incomodava, mas de tão pequeno era bom não se importar, o seus pares não gostariam que aparentasse esta emoção pequeno-burguesa.

-Cinco tem os originais.
-Mas que originais?! Perguntou Sete.
-As casas populares, Um. Lembra?
Sete não conseguia esconder sua felicitação. Só imaginava quantos favores conseguiria com esta prova nas mãos. Perguntou:
-Cinco, né? O que ele quer em troca?
-Olha, Sete, o cara é meio idealista.
-Todo preço tem seu homem, já achamos ele não foi? Agora só falta o mais fácil. Respondeu.
Quatro começou a ficar nervoso, não via seu quinhão na questão ser comentada:
-E a minha parte?
-Qual parte? Gracejou Sete.
-A minha p*rra! Três!! Quero que Três se F*da!!! Explodiu.
7 não se impressionou. Sangue gelado, anos acostumado com a bandidagem. Analisou 4:
-Sei o que Três fez com você. Mas sua parte não se recuperará assim (estalando os dedos). Seja paciente, pressinto que algo bom virá para nós, quero dizer, se você estiver comigo...
Quatro gelou. Sem palavras. Sete foi lentamente massageado seu ombro aos mesmo tempo que os olhos do rapaz arregalaram. Assim que o carro parou este saiu correndo. Sete:
-Que pena, é um belo rapaz. Falou para o motorista:
-Ligue pra Scheila, ela tem trabalho hoje. Motorista consentiu e começou a fazer o telefonema.
Scheila não tem número, ela só é mulher... da cintura pra cima.

Sete está no centro da metrópole. Precisa averiguar um QRU (ocorrência) numa das boates locais, briga. Não era nada, as malditas p*tas não conseguem se controlar no pó e saem estapeando umas as outras. Brigam por qualquer coisa, clientes, dinheiro, drogas. É tudo muito chato e estressante. Passa pelos travestis fazendo ponto embaixo da grande obra sombria do grande político 1.000.000 (um milhão) -porque nunca roubava menos do que este valor, roubava mais fazia-. É ótimo assim. Emparedou todas aquelas meio-mulheres, todos grandes e disformes. Tinha um deles, acho, não, tenho certeza, deve dinheiro a Sete. Os parceiros de 7 riem, embora ele não ache graça na situação. Dinheiro é dinheiro, é a sopa prefacial da humanidade e Sete quer ser humano. Desfere um chute na bunda do travesti. devedor. Agredir um travesti é uma dupla pena. A primeira é menor, é o hematoma. Passa; o Segundo é muito pior. O silicone deforma e parece goma caída. É para sempre, não tem conserto. Deformado, não tem clientes, sem clientes não tem dinheiro, sem dinheiro... não preciso nem dizer. É perpétua, é cruel, cruel demais, seria melhor a morte.
7 faz seu recolhe. Odeia gays e travestis.
A noite segue seu turno.

O "estagiário" chegou, Seis manda o motorista buscá-lo no aeroporto.
Um estagiário no jargão deles não é o mesmo que conhecemos. É uma forma carinhosa de se referir aos aspirantes na política. Seis já foi um. Foi treinado e doutrinado pelo mais velho, o mais forte, o mais importante. Resistiu a inúmeras batalhas no Congresso, CPIs, intrigas, chantagens, investigações. Passou incólume por todas. Seu bigode manteve-se intacto todos esses anos.
Dez chegou, um moleque. No calor da parca existência (Que mais bela essência).
Já conhecia Um, dispensavam apresentações.
Seis perguntou, mesmo já antevendo a resposta:
-Por que te mandaram aqui?
Dez: -Porque é o melhor entre os melhores.
Seis sorriu:
-Então Dez, te prepare, hoje vamos fazer chacoalhar a árvore do dinheiro paulistano.
Odiava São Paulo com todas as suas forças. Se algum dia fosse presidente, faria o estado paulistano chafurdar na miséria, na violência, na corrupção, na sujeira e ser reduzida a uma caatinga indigente e dependente de caminhões pipa. Que sonho maravilhoso. Os paulistas e paulistanos mendigando no Planalto, implorando migalhas... hehehe. Estado maldito.









domingo, 13 de setembro de 2009

Capítulo VII - Seis Graus de Separação

As sereias cantavam;
Alegres se fartavam;
O sol refletindo nas águas;
Sob as pedras da enseada;

Tão belas, quanta formosura!

Risos, sensuais brincadeiras;
Envolvendo as caudas reluzentes;
Tez como delicadas macieiras;


Banqueteiam neste momento;
Sob a sombra das aves marítimas;

Cada deslumbrante movimento;

O escarlate entre os dedos;


...do sangue do destroçado marinheiro.

A reunião com a cúpula da universidade, governo do estado, polícia militar, sindicatos e estudantes fora um sucesso. Somente os caputs falaram, entrementes todos estavam bem assessorados. A participação de Cinco foi ativa, apresentava contra-argumentos, réplicas, tréplicas, avisava dos embustes. Foi perfeito. Seis graus de separação. O líder não levou apenas seu causídico, lá estava também Um, que era mais novo que Cinco. Sete também estava lá, era o capitão da PM (mais jovem e com muito mais sonhos).

Após a reunião a greve chegava ao seu fim. Cinco que mal fora apresentado a Um, agora estavam devidamente cortejados, até pareciam amigos de longa data. O líder estava feliz pelo desfecho e o sindicato conseguira o aumento almejado. Haveria uma festa em homenagem pelo fim das manifestações.

Bat-macumba, Anamauê...

Sete estava inconformado. Achava que o Estado era muito mole com os subversivos. Sentia que a polícia há muito já perdera o brilho, não via-se realizado ali. A sociedade mudara, os planos mudaram e a polícia ainda vivia nos idos do golpe. Acontecia algo no ar, os ventos não balançavam mais as velas, mas carregavam os barcos. Aquela violência tão necessária até pouco tempo parecia neste instante um grande desperdício humano. A agressividade das pessoas, dos próprios bandidos crescia, entretanto a reação policial ainda mais hostil, parecia ineficaz. Tudo era inútil na corporação... Sete percebia-se obsoleto.

O impensável acontecera. Pouco depois do fim da greve na universidade, a própria corporação tentou a sua. Baixos salários, péssimas condições de trabalho, mau treinamento dos recrutas, alta mortalidade nas operações...; Ainda com resquícios de seu idealismo, sua obediência, Sete não aderiu. Muitos dos seus colegas, inclusive amigos foram às manifestações. No fundo, torcia para que desse certo, para que conseguissem. Mas tudo deu errado.
Desprotegidos pela CLT por serem estatutários, os policiais não podiam buscar a guarida da Justiça do Trabalho, o dissídio coletivo seria julgado pela Justiça Comum. Com a relação promíscua entre a justiça comum e o Poder Executivo Estadual, a greve foi decretada ilegal e foram todos obrigados a retornar a seus postos. A retaliação do Governo veio em seguida, transferindo boa parte dos grevistas para postos distantes de suas residências. A situação era insustentável, não obstante ganharem mal, precisavam gastar ainda mais com conduções. Muitos não aguentaram e pediram exoneração. Procuraram no setor privado melhores condições.
Com a limpeza feita pelo Governo Estadual, 7 como não aderente, subiu de patente logo em seguida. Um parte de si estava feliz, outra corroída.
Pouco depois, numa operação dentro de uma grande favela, um amigo próximo foi barbaramente fuzilado (peneirado para ser mais sincero) pois sua viatura não deu partida na hora do contra-ataque dos traficantes. Todos policiais, civis e militares da invasão conjunta precisaram dar vazão pois não esperavam tamanha reação, menos o grupo do seu colega 7880; seis que ficaram apara trás morreram. Mas isso não era tudo. Não havia coletes para todos, ou algumas armas falhavam ou munições eram de má qualidade. Com este final melancólico, a greve lhe doía no pensamento.
Passado alguns meses, assistindo a história se repetir, no vestiário da corporação Sete decretou:
-Amanhã eu entro pra política.
Todos riram.

Seis estava com Um quando recebeu uma ligação do seu coronel, seu mentor, o líder supremo do partido:
-A macumbeira é muito forte.
Seis, em tom sóbrio: Por que senhor?
-Cento e vinte um, calibrou demais e está no hospital. Nosso caminho está livre. Foi melhor do que esperávamos, foi como a macumbeira falou.
Seis, fingindo não entender: como assim?!
-Ahhh Seis, não seja tão tolo comigo. Fiz meus contatos, prepare Um para uma reunião com a cúpula da indústria & comércio paulista, aquele pederasta do Nove nos garantiu apoio irrestrito e o principal: dinheiro.
Seis: Quanto custou?
-As obras. Quer exclusividade...
E complementando, como se tivesse acabado de se lembrar:
-Ah, leve o "estagiário" com você. Está na hora de você ter um pupilo.
Seis:-Não entendo.
O líder, um tanto impaciente:
-Apenas leve o moleque com você!
Seis contrariado: - Sim, Senhor.
-Mantenha-me informado.
Mais um
"Sim Senhor" e encerram a conversa.

A casa de Um fica num dos melhores bairros da metrópole, Jardim...
Um, Dois e Seis estavam no quarto separando as roupas para campanha. 6 centralizava tanto o poder em sua mão, que fazia às vezes também fazia o papel de
personal stylist. Mandava Dois pegar aquela ou esta roupa, bons ternos, elaborados por excelente alfaiates. Muitos italianos, os melhores.
Dois admirava os estilo de Seis, seu charme, seu porte imponente, forte e centrado. Um rosto com traços marcantes, até poderia ser um galã de novela. De repente, Um olha pela janela:
-Dois! O homem da reciclagem chegou, leva o papelão pra ele!
Seis, consente:
-Pode ir Dois, leve o papelão, esperaremos aqui.
Dois sai, Seis para Um:
-Está preparado para a maratona?
Um: dependo disso pra viver, não?
Seis trasgueando pega uma cueca suja no chão e joga na cara de Um.
-O que você está fazendo?!
-(Com um leve sorriso sarcástico) Tá na hora de se acostumar a beijar as criancinhas remelentas. Comece com isso aí. Vou pedir para Dois preparar um delicioso sarapatel pro almoço, garanto que vai comer coisa pior quando subir o morro.
Um, não responde. Faz uma cara de contrariado, não esperava passar por tamanha humilhação. Odiava beijar as crianças liposas que os favelistas traziam. Conformou-se.

Já meio tonto de tanto beber, Cinco participa de uma roda de discussões com as cabeças do movimento. Um também está lá. Cinca acha-o bastante diferente dos outros, pois Um, apesar de cursar engenharia na *oli, tem tino político. Não é muito inteligente, nem tem muita cultura, percebe-se logo; mas sua tempestade e ímpeto são cativantes. Tem habilidades para lidar com todo tipo de pessoa e é protégé do líder. Começam uma roda do
quimbundo makaña. Cinco inexperiente nessa área começa a rir e a enrolar a lígua. Percebendo, o líder pede vivas para o Companheiro 5, por seus excelentes serviços à causa. Mas Cinco só tem olhos para Oitenta e Cinco, seu coração palpita. O líder percebendo a situação, cochicha no ouvido de 85 e esta levanta e leva 5 para a fora.
Cinco ri, está feliz apesar de não compreender exatamente o que se passa.
Oitenta e Cinco dá um beijo em Cinco e este retribui. Os músculos relaxam, outros enrijessem. Não se falam.
85 deita 5 no chão. Sua sereia começa a baixar sua calça ao mesmo tempo que levanta a saia e puxa sua peça íntima para o lado. O marinheiro é devorado. Seus nervos convergem para seu sexo, a fricção torna-se insustentável e o calor no ventre se esparrama lentamente. Milhares de Cincozinhos nadam pelas paredes internas de Oitenta e Cinco, mas morrerão, pois ela utiliza-se de métodos contraceptivos. Melhor assim.
Ela tem que ir. Ele se levanta e vai para o outro lado, também tem que ir pra casa. O THC e do etanol já começam sumir do organismo. Mas a euforia é natural, não precisa de nenhuma substância para sentir-se assim.
(Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás).
Tudo seria em função da 'revolution'.

Sete chega ao hospital. Um tanto colérico, mas sem apresentar sinais exteriores. A noite fria lhe obriga a usar um sobretudo negro, pesado. Seus passos ecoam no hospital, vai direto ao elator. No espelho do elevador distingue-se seus cabelos negros, crespos, levemente grisalhos; porte alto e atlético, pois jamais perdera o hábito de exercitar-se, mesmo fora da corporação. A larga mão aperta o botão do andar, assim como a luz da máquina elevatória reflete em seu enorme anel de ouro. Mão esquerda, mãos com suas veias saltadas e um tanto enrugadas, entregando a idade. Acha rapidamentne o quarto 2331, onde Bispo 121 está.
Toc toc.
Um voz tíbia:
-Pode entrar.
-Cento e Vinte e Um.
-Sete.
-Como está?
Bispo 121 põe o fito nos olhos de Sete, mas abaixa logo em seguida. Vergonha:
-Bem, acho.
A voz lhe entrega, não está nada bem.
-O que realmente aconteceu?
Bispo Cento e Vinte Um reluta, mas ao se lembrar no investimento desperdiçado em si, confessa:
-Estava me preparando para um sermão. Seria um dos melhores, era pra campanha, sabe?
Sete só observa.
-Precisei calibrar um pouquinho, sabe, pra abençoar a pregação.
Silêncio.
-Acontece que a coisa era pura, era boa demais... forte demais, aí foi o que aconteceu.
Sete:
-E Motel?
-Uma das garotas foi gente fina, conhecia ela. Ela ligou e se mandou. Deu pra encobrir, meu pessoal resolveu tudo.
Sete se senta, acende um cigarro. Cento e Vinte Um não está em posição de contestar. A fumaça lhe machuca a garganta. Num lampejo de sinceridade, 7:
-Você é um b**ta 121! Tem ideia do dinheiro que botamos na sua campanha?!
Cento e vinte e Um redarguindo:
-Minha mãe colocou o dela também, todos os templos colocaram os seus, não tem só sua grana aí não!
-É um moleque mesmo. E vai se dar mal, estamos saindo da coligação, está sozinho agora.
Bispo Cento e Vinte Um começa a sacudir a mão de nervoso:
Não pode fazer isso comigo! Não pode!!
Um enfermeira entra e ordena silêncio, Bispo 121:
Cala boca vadia! E para Sete: -E... e, e o vice?
Sete, pisa no cigarro sob os olhares de censura da enfermeira e secamente dá a questão por encerrada:
-Fora de cogitação.
Bispo 121 começa a balbuciar palavras ininteligíveis. Sete com uma calma nervosa, fita o Bispo com seus negros olhos e apontando:
-Primeiro: a conta vai pra sua mãe; Segundo: se não quiser morrer, cale a boca; Terceiro: amanhã mesmo me reunirei com Seis, vou propor outra aliança.
Bispo Cento e Vinte Um, mais do que rapidamente:
-Ele não vai querer, lembra do que fez pro partido dele, eles te odeiam.
Sete, em réplica:
-Não me odeiam, isto é política. E, além do mais, dessa vez, tenho uma carta na manga.
Bispo 121, com toda sua magreza, seus curtos cabelos encaracolados, membros finos, testa larga, encolhe-se cada vez mais em sua cama; parece sair de órbita. Voltando rapidamente a si, com um meio sorriso na cara, o sorriso amarelo do perdedor:
-Sabe uma coisa boa disso tudo?
Sete não responde, somente enruga sua testa já bastante definida pelo tempo.
-Pelo menos eu não sou gay.
7 se levanta e desfere um tapa na cara do Bispo. Forte o suficiente para derrubá-lo da cama. Saindo do quarto escuta a risada ao fundo, uma risada insana.
Não dá muita importância, tem plena certeza que terá sua desforra mais adiante. Só precisa pensar melhor.
Chegando ao saguão, como havia combinado, Quatro lhe espera.

Dois carrega todo o papelão para fora da casa. Sempre levava à rua para que o catador transportasse para a reciclagem. Era diferente do lixo comum. Dessa vez, o carroceiro não era o mesmo. Um tipo diferente, alto, esguio, mulato e com sobressaltado bigode. Roupas surradas, calça azul e camisa branca, aberta, mostrando abdômen definido pelo peso da carroça.
Dois pergunta pelo carroceiro anterior e o novo responde que está doente. Dois pergunta seu nome e ele responde:
-Oito senhora.

















sábado, 12 de setembro de 2009

Capítulo VI - Ramsa

Cinco estava exultante. O misto de perigo e incertezas mal o fazia andar. As pernas estavam tontas, lerdas, formigantes. Havia uma certa histeria no ar, um ritualismo ao modo primitivista, o calor humano subia por quase dois metros do chão. O tiamat rastejava por toda reitoria, o caos. Ecoavam as vozes, confusas, principiológicas, uníssonas e dissonantes. Mais-Valia, classes sociais, Trótski, o Capital, o Manifesto... Tantas informações, 5 mal conseguia processá-las, mas sentia vivo, completo, realizado.

Todos comiam das mesmas panelas, dividiam as tarefas e faziam a glória do socialismo utópico.

Um deles, exaltado: -Temos que resistir, resistir companheiros!

Outro: Viva Marighella! Viva Lamarca!

Todos, inclusive 5 (totalmente alheio ao assunto): Viva!!!

O líder: -Tão falando que a polícia vai invadir!

Barulho, tumulto, todos querendo falar.

Um deles: -E agora, saímos?

Líder: -Não, vamos resistir.

Alguns: Mas como?

Antes que o líder pudesse falar, Cinco: Eles tem mandado?

Silêncio Geral.

-Isso mesmo, eles tem mandado de reintegração de posse, esbulho possessório? Olha para Oitenta e Cinco, ela retribui.

Todos ficam um pouco mais aliviados, o líder chama Cinco para negociar, pergunta como sabe "dessas coisas". 5 diz que já advogou e conhece as leis, sabe que antes de mais nada a greve precisa ser declarada legal e todos os trâmites legais. O líder chama-o para participar do comando, para dar consultoria jurídica. Não hesita, vai incontinente.


Num piscar de olhos nosso quinto elemento já está no núcleo duro da paralisação (um verdadeiro Большевик).


Um e Seis aguardavam numa sala extremamente bem iluminada. Luz branca de teto, a mais econômica. A mesa, agora uma negra de madeira vagabunda (coisas de licitação), paredes brancas preenchidas com réplicas de quadros conhecidos (van Gogh, Paul Gauguin, Rembrandt [as castas são todas iguais] entre outros). Vinte lugares ainda vazios, Seis:

-Optei por sua execução, sumária; não tenho pena de você.

Um, assustado: M... m... m... mais. Seis cortando (escarnecendo): m-m-morto, mortinho, pastando pela raiz.

Um se cala.

O Grupo entra na sala, todos olham para Um, mas este mira o chão. Vergonha.

O mais velho:

-Escolheu o terno?

Um: -foi Três!

Todos riem.

Sênior (num tom sossegado e grave, como a um pai): Não meu filhote. Foi você. O dinheiro não era seu.

Um, desesperado: peguem a Três, a 3!Foi ela p**ra.

Silêncio.

Sênior: Como Seis já deve ter mencionado, sua morte (lenta e com muita dor) foi amplamente debatida. Todavia, por hora ela está suspensa. Um fica confuso. Aliviado.

Sênior: Graças as suas palhaçadas, não podemos mais apoiar o candidato Cento e Vinte Um. Sei idiota! Os cargos já foram loteados, estava tudo certo. Seu erro nos custou o caixa da eleição presidencial. Bate na mesa com força. Somos obrigados a lançar um candidato próprio agora! Temos que quebrar a aliança.

Ninguém se mexe, nem mesmo piscam. Um apenas escuta, sabe o que uma interrupção poderia lhe custar.

Sênior, desalentado: -Não preparamos ninguém.

Seis se levanta.

Sênior continua: -por isso lançaremos você como candidato.

Um arregala os olhos, mas não tem coragem de se manifestar.

Sênior, em conclusão: -Seis cuidará de sua campanha para prefeito, se quiser viver obedeça cegamente, não questione e vença a eleição. Reabasteceremos o caixa e reorganizaremos a coligação em nível federal, ficam prejudicadas as alianças estaduais e municipais... (pensa antes de falar)... -Não obstante são males menores, contornáveis com o dinheiro dos campos. Retoma o pensamento: -Agora saia da sala e espere lá fora.

Um sai.

Sênior para Seis: -deixo aos seus cuidados o financiamento e toda campanha. Está tudo em sua mão, não nos decepcione.

Seis: Não Senhor.

Sênior levanta e dá um abraço em Seis: -ótimo meu amigo. Se obtiver êxito sabe o que lhe espera.

Seis sorri e repete: -Não falharei.

Sênior de saída com o grupo: -Sei que não.

Lá fora o sênior do grupo lança um olhar para Um. Espada de Dâmocles.


Quando somente Seis e Um sobram na antessala, o primeiro agarra-o pelo colar, olha em seus olhos e efusivamente: -Se estragar tudo perderá os bagos.

Um não tem o que falar. Já fora um bom estrategista, hoje está politicamente prostrado. Seis será seu Virgílio no inferno.


Seis nasceu no seio de uma pobre família. Porém o pai de Seis teve a sorte de servir o coronel do Estado e cair na sua graça, assim, entregou seu filho para ser criado e doutrinado pelo político mais forte da região. Atravessou todas etapas da hierarquia cangaceira até se tornar braço direito de seu mentor. Seis apesar de ser o terceiro de sete filhos, foi o escolhido como seu sucessor na vida pública, graças ao desalinho da prole legítima, bem como seu frio temperamento e obediência cega. Num Estado acima do Trópico de Capricórnio e abaixo da Linha do Equador, seu coração endurecera. Não se apegava a ninguém além do seu padrinho (the godfather, el patrón). Este em troca este lhe pagou os estudos e ensinou tudo o que podia, ensinou muito mais do que ensinara a seus filhos de estirpe. Seis sabia disso e era grato. Mas mais do que podia esperar, aprendeu a odiar, a desprezar a manipular. Era sozinho e preferia assim, era mais fácil. Se passasse dificuldades com distrações humanas, resolvia rapidamente nos lupanares da vida. Aos vinte e cinco anos, era um expert. Muitos vinham pedir sua benção antes de encontrar o “patrão” (Capo di tutti Capi).

6 está em plena ascensão enquanto 1 decai. Mas Seis não é como Um, ele não é humano, não é capaz de ser ludibriado por súcubos ou íncubos; os nós do tapete de sua vida estão bem apertados.


O telefone toca e Sete acorda. Tem uma péssima notícia. Seu candidato (Bispo 121) à prefeitura da metrópole sofreu uma overdose num quarto de motel com duas companheirinhas. Rapidamente se levanta, liga para o assessor:

-E a imprensa?

Assessor: -Está tudo controlado, a história do motel sequer foi mencionada, sabem de nada. As notas saíram como exames de rotina ou estresse da campanha. Perfeito.

Sete: -E... e... e ele vai se recuperar?

Assessor: -Não sei senhor, acho que está fora de combate.

Sete: -m**da! Ligue pra mãe deste fdp, aquela crente dos infernos; Ela vai me pagar! E a coligação municipal?

Assessor: -Estamos sem candidato, o vice é inviável. Quer que eu ligue para Brasília?

Sete: -Por favor.

Assessor: -Mais alguma coisa senhor?

Sete: E ligue também para Quatro, preciso ter uma conversinha com ele.


7 se levanta da cama imerso em pensamentos. Dirige-se ao seu bar particular, desatarraxa uma tampa e deixa o líquido derramar lentamente sobre o copo. No primeiro gole a garganta queima um pouco, mas nos demais os nervos começam a aligeirar. Pensa consigo mesmo:


-Ruínas

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Capítulo V - As mulheres & a cor vermelha

Graças às mulheres fazemos coisas idiotas. Destemperamos. Somos capazes das maiores asneiras somente por frações de atenção. Pode ser hormonal, pode ser cultural, mas fato é que nós homens estamos fadados à extinção. Nenhuma raça sobrevive de tolices. É como nossas mães falavam,: -Se fulano pular do trem você pula junto? E nós, em completo tédio: -nãaaao. A figura só muda, quanto reformulada a indagação: Se esta baita gostosa mandasse você pular na frente do trem você pularia? Aí a história é outra: -Depende...

Tcs. Tcs.

Qual ser sobreviveria a uma coisa dessas? Antes chamar a atenção à própria sobrevivência!

Cinco, de volta à faculdade graças às suas faculdades mentais (tô inspiradão) sempre garantia sua vaga na universidade pública. Aqui, uma estadual. Nunca pagava nada.

Como todo bom filme de comédia romântica: Só, sozinho no refeitório fazia seu pequeno casse-croûte. Apesar de precoce na infância, formado, em sua segunda entrada na escola superior, era inacreditavelmente pueril para certos assuntos. Sua sociabilidade andava devagar e sentia-se ressentido por não conseguir se enturmar.
Acabrunhado em pensamentos, não percebeu alguém que se aproximava, assustou-se. Mas tão logo, relaxou e baixou a guarda. Era apenas uma moça (85) que viera para lhe entregar um panfleto. Os alunos entrariam em greve junto com os funcionários e a invasão à reitoria era iminente. Alheio ao teor do conteúdo proselitista, fitava a mensageira. Ela dizia mas ele não escutava. Não era sua beleza (neste quesito fora pouco agraciada pela genética), mas a atenção. Seu cérebro trabalhou rápido para agarrar a primeira oportunidade de sair da proscrição. Não é raro a primeira vez ser a última chance. Estaria no centro acadêmico de jornalismo às dezenove horas. Seu coração espancava.

Seis terminou de falar com Um, entregou o telefone para alguém e saiu da sala. Carpete sintético, paredes impecavelmente brancas e um quadro do presidente da república, dependurado logo atrás. Estavam esperando-o, um grupo, todos de terno, mesa de vidro, poltronas e papéis. Mal se vê seus rostos. Fumam, apesar do aviso dependurado. Estes homens criadores de leis raramente demonstram algum apreço por ela.
Primeiro homem: - E Um?
Seis: -Politicamente aniquilado. Temos que tomar precauções.
Segundo: Que tipo?
Seis: -Se entregarmos para imprensa ele não vai segurar. PF, CPI... Muito fraco.
Terceiro: -Onde quer chegar?
Alguns: É, onde?
Seis: -Sugiro o aniquilamento. Um acidente, ataque cardíaco sei lá.
Quarto: -Pode deixar rastros. Muito perigoso.
Primeiro: E Três?
Seis: -Está muito blindada. Inatingível, por hora.
Primeiro: -3 está fora desta questão. Um errou. Todos nós já tivemos com Três. Sabemos quem ela é. Um nos prejudicou, deve pagar.
Seis: -Vamos deitá-lo.
Quinto, calado até então, dando a última palavra: -Não. A morte é uma ótima ferramenta, mas temos outras disponíveis no menu meninos. Quinto era o mais velho, a raposa mais experiente, já tinha vivido o suficiente pra saber como as coisas são.
Quase todos: -Quais?!
Quinto: - Vamos lançá-lo.
Todos indignados: O que?!
Quinto: Dou a questão por encerrada, tragam Um à capital.
Todos: Sim Senhor.

Dispersam-se, Seis era o Sexto na mesa.

Cinco estava impreterivelmente às 19hs na frente do centro acadêmico. Jamais havia se sentido assim antes, o misto da sofreguidão e ansiedade. Tantos jovens, suas roupas, suas rebeldias, seus cartazes, palavras de ordem, a sempre bela forma contestadora de dizer Não a tudo. Ahhh os rebeldes sem causa. Os tolos engajamentos, as causa mais espúrias, mais confusas e vãs. Hahaha, ali estava 5. Contava com trinta anos, mas agia como se tivesse 15. Esse é o problema dos pequenos notáveis, perdem a infância e depois a todo custo tentam recuperar. Tragi-cômico.
Oitenta e três estava com um grupo, vestia uma camiseta vermelha com símbolo. Ao visualizar Cinco, chamou com as mãos.
Cinco: -Oi.
Oitenta e Cinco: -Sabe fazer cartaz?
Cinco: -Lógico.
Oitenta e Cinco: -Sente, preciso de alguns; Esse são os dizeres...
-a respeito, qual é o seu nome? Respondeu:-Cinco
Oitenta e Cinco: pessoal, este é o 5 (Todos o cumprimentam, estão excitados com sua "pequena revolução bolchevique").

Primeiro: -Hoje entraremos na reitoria, vamos acampar lá dentro.
Segundo, uma enorme barba negra: -Companheiro, entrará pra história.
Terceira:-É para um futuro melhor, para nosso filhos crescerem num mundo igual, um mundo socialista.
Quarta: -O sindicato está conosco
Cinco só ouvia. Pensava em 85, como pensava...

Quatro estava num banheiro. Escuta-se muito bem as pancadas bum-bum-bum, a música eletrônica. No cubículo, sentado em cima da latrina vai quebrando as pedrinhas amareladas. O código morse colombiano. Precisava pensar, achar outra saída. Saí do toalete com olhos parecendo jabuticas. Encosta na mesa de Sete. Sete o reconhece, mas procura ignorá-lo. Pensa melhor, tem medo de algum escândalo. Puxa Quatro para fora, pergunta o que ele quer. Quatro oferece uma informação, conta que procurou Cinco. Conta também sobre Três. Sete acha que pode usar esta informação. Diz que vai ajudar Quatro em troca desta informação.

Uma bagatela, uma verdadeira ninharia.


quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Capítulo IV - Todo Preço tem seu Homem

Desespero. O desespero nos toma assim como tomamos decisões erradas e precipitadas. Hoffnungslosigkeit. A urgência na pequena decisão eclipsa até os maiores detalhes; escapam as peças, perde-se a jogada... por hora Quatro está em xeque.

Cinco
não estava abalado nem furioso. Na verdade até havia se esquecido daquela tentativa extrusiva. O mau passado se ignora, se esquece. Vicário. Vicariante.

5 nasceu para ser um Daqueles. Não daqueles, mas Daqueles. A carga genética da inteligência lhe transbordava. O genitor: professor universitário (matemática); A genitora: professora universitária (física). e os progenitores: todos graduados e pós-graduados, mestres e doutores. (exatas, exatas e mais exatas) Tudo às mil maravilhas. Ali havia história.
Na sua infância foi precoce. Bom matemático, exibia-se fazendo contas complexas de cabeça, mas na verdade era uma pessoa polímata. Pulava alguns anos na escola e aos quinze já detinha o direito de prestar o vestibular. Apesar de ser sempre o melhor da classe, jamais quis frequentar uma escola para crianças prodígio, afinal era preferentemente enaltecedor ser o primeiro entre os últimos ao último entre os primeiros.

Mas na universidade tudo é diferente, não funciona como no colegial. Lá dentro existem outros iguais e, assim, a concorrência é sempre mais dura. É difícil chamar a atenção, principalmente se há a história das gerações passadas para cobrar o altíssimo padrão intelectual exigido. É a pressão. A pressão nos põe em xeque.

Não bastando o bacharelado, jornalismo. As palavras, os textos os gestos exuberavam em Cinco. Era predestinação. 5 a bem-aventurança não conhecia limites, era um expert em todas as áreas, inclusive no magistério, seu preferido. Saiu-se ótimo advogado e, posteriormente, excentricidade nata dos gênios, decidiu pelo jornalismo. Sentia-se mais livre com as palavras informativas comparado ao estrito mundo dos brocardos jurídicos ou os enfastiantes fatos jurígenos. Não, sua letra era livre, era lírico. Não foi fácil, mas ao trocar as exatas pelas humanas (essa até deu pra família engolir) reconheceu-se. Gostou das leis, contudo o jornalismo foi um pouco mais do que seu (não tão) pobre pai podia aguentar. Assim, fez-se Édipo Rei (
OΙΔΙΠΟΥΣ ΤΥΡΑΝΝΟΣ).
Agora era livre, assim como o homem está condenado a ser livre, assim como a essência precede a existência... assim como Orestes, ao levar as moscas de Argos.

Todo filho precisa matar o seu pai. Sair de seu sua sombra e destruir seu ninho.

Estava livre, mas estava sozinho. Precisava de um coletivo para se juntar, para se sentir completo, para se sentir parte. Qualquer rebanho seria bom, afinal já contava com quase trinta anos, foi bem sucedido antes, mas jogado nas águas escuras do desconhecido, tudo seria diferente. Sua decisão não seria bem aceita em seu meio, e, agora proscrito, outro meio haveria de ter... e teve.

Cinco andou até o arquivo de metal, empurrou para o lado. Atrás, além do pó e toda sujeita revelava-se uma portinhola. Como boa parte da parede não tinha reboco, disfarçava-se ainda mais o esconderijo. Sem maçaneta, era preciso de uma certa perícia; uma chave de fenda. Aberta tumba retira-se o sudário. Nas mãos papéis carcomidos por traças, amarelado. amassado, entregue ao passado, no entanto, ressuscitado dos mortos, dos arquivos mortos.

Dois abria as cortinas. As cortinas daquela casas tinham um peso maior ao das outras. Era engraçado, mas tudo que é adquirido do sofrimento alheio traz um peso todo especial. É como morar na Suíça, uma riqueza construída com a corrupção brasileira, o sangue africano e a semiescravidão asiática. Há um peso no ar, nas coisas, nas pessoas... elas sabem, sabem da onde vem seu bem-estar (podem até censurar esta parte do livro, mas vocês sabem quem são, ah se sabem!).

Voltando: Dois abria a casa para luz, a casa que muito bem podia ter sido erguida usando corpos humanos ao invés de argamassa; Era a alma do povo brasileiro, o povo que jamais irá adentrar. Só admirar, do lado de fora, fora, fora... daqui.

Um, agora enfurnado na escuridão, ignorava o movimentar de Dois. Não estava acostumado a perder. Criou a cobra e foi ferido. Não lhe caiu nada bem este chute nos colhões. O partido não gostou. Haverá retaliação. Ela virá à cavalo, mas é certo que virá.

Uma força magnânima o forçou para fora da poltrona. Desanimado e com a inteligência trabalhando em sobrecarga (Um tem mais massa branca e menos cinzenta comparado às pessoas normais), vai até a janela aberta, sequer dirige o olhar à Dois e vê, na rua, que também é observado. Cinco está lá, fitando, encarando, com as mãos em suor. Um se surpreende, desvia o olhar, evita contato visual e volta a fitar. 1 já está acostumado à pressão, não sua, não treme, não se intimida. Sabe o que 5 quer fazer. É bom jogador, sabe analisar as probabilidades, sabe do desespero ganancioso e despreparado de 4, a raiva mal aplicada de 5. Está arruinado, e um homem em ruínas é um ser sem medo, e quem coisa nenhuma possui não tem nada a perder. Vai se re-erguer politicamente. Lógico que tem o ministério público em seu encalço. Três lhe tomou bens que não existiam no mundo jurídico. Tomou coisas que não lhe pertenciam tão somente, pertencia à sua coletividade sectária. Vai utilizar da raiva alheia, sabe mexer com os sentimentos de outrem. Lida com povo e povo não é inteligência, não é razão, a plebe é emoção, pura sentimentalismo popularesco; é fácil de manobrar.

O telefone toca, Dois, uma sombra, atente e rapidamente passa à Um. Seria melhor representado se o telefone pulasse do gancho e fosse diretamente às mãos de Um. 2 = 0; Aqui 1+1 não é = 2, 1+1 pode até ser 3.

Era Seis... quem falava era 6.

A mão de Um começou a estremecer. Xeque.





segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Capítulo III - Pai, Filho, mas nenhum Espírito Santo

-Aquela P***tituta!-

-Calma, muita calma lá.-

-Não, não, não, não, como pude ser tão burro?-

-Foi pra Portugal perdeu o lugar- Você e suas Raves, Baladaaaadas, Mocinhas muito soltas- Seu pai noivou, você não veio; Casou, você não voltou, Morreu e você só chegou depois- Ela levou a metade oras! Tá chorando pelo leite derramado?-

-Mmmmm...

-Tá aqui Seis Mil, o código civil fala: "Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: II - da pessoa maior de sessenta anos;" Aqui, papai casou... casou em comunhão universal! Esse é o pulo do gato.

-Tolo... tolinho- Passou, ele juntou, casou, viveu e morreu. A-c-a-b-o-u, c'est fini. Já falei antes: Foi pra Portugal perdeu o lugar. Mesmo que pudesse contestar a meação de Três, o dispositivo é incostitucional, perderia mais pra frente, nos tribunais.

-Como essa desgraçada pode?!

-O que você queria Quatro? Foi muito justo para ser sincero.

-Não entendo?

-São sócios oras! Ele entrou com o dinheiro, ela deu sexo, fe-lo sentir-se jovem outra vez, desfilava com ela... Ela, ãh, deu algo em troca.

-Onde quer chegar?

-Herdeiro não é profissão.



Quatro retira-se pateticamente ofendido. Com certeza não era o que esperava escutar; perdera mais do que podia esperar. Perdera porque não entedia os fatos da vida. Ele ambicioso, sua (hummm) madrasta, também ambiciosa. Sim, ambos ambiciosos e arrogantes, todavia lhe escapava um pequeno detalhe: Ela era esperta e ele, idiota.

Existem vários chavões para a idiotice. Mas não perco meu tempo para este, era a idiotice padrão acompanhada pela velha soberba; uma criação deveras mimada. A criação que faz um crianção e não prepara para o mundo. O bezerro que desmamou mas não sabe pastar... agora vai pastar.

Sessenta e Um e sua esposa Sessenta e Um-A, não tocaram sequer no cocô do filho, havia sempre uma espécie de Dois para tratar do rebento, uma babá, uma governanta, uma aia...

O já batido tema dos pais ausentes que tentam compensar com bens materiais não foi exceção aqui, apesar da humanidade contar com milhares de anos, os erros são sempre os mesmos.

Na escola era chato, no restaurante chorão, no parquinho de diversões brigão... Criança pentelha. Cresceu, não se apegou a ninguém. Namorava, comia, se divertia e jogava fora. Consumia mas não produzia. Cansados de sustentar os gastos compulsivos do filhote, além das más sociedades em boates modernas, 61 resolveu jogar o rebento no exterior. Assim seria melhor, para a paciência, para a polícia, para a família e para o bolso.

61-A morreu, no entanto 4 estava muito longe para o velório. Na família foi um escândalo, mas dava para entender. Não se afeiçoou à mãe, achava-a chata.

Todavia com a morte de 61 tudo ficou foi mais difícil, a fonte havia de secar. Tinha que voltar e voltou: seis meses depois do enterro, para receber o quinhão. Recebeu, ahhh sim, recebeu... A metade. Três chegou antes de Quatro. Na débil força juvenil tentou reverter, mas era tarde demais, Seis Mil teve a audácia de falar a verdade. Triste Mais Vrai (se é assim que se escreve, não é "vai" não é "vrai" mesmo).

Sabia o que Três havia feito para Um, sabia que sua meia fortuna logo haveria de se corroer, sabia que precisaria de ajuda, mas de quem?


Cinco datilografava pacientemente na sua velhíssima máquina de escrever, aquela da marca O. Detestava computadores pois faziam sua mão esquerda e pulsos doerem mais. Gostava de velharia, de colecionar. Era miquelino o suficiente para dependurar pôsteres como se fosse um menino. Sua sala com parede descolorida, janela basculante defeituosa, parquet desalinhado e esburacado não inspiravam a menor confiança. Óculos sujos, barba por fazer, camisa suja e rasgada, suor (sem sangue nem lágrimas) e Quatro abre a porta sem bater. Assim, no meio da minha descrição, atravessando meu texto. Sim! Meu próprio personagem me atrapalhando. Horror!

Bufando:

- Cinco!

- Nem pensar!

- Mas eu não disse...

- Nem quero saber.

- Eu preciso...

- Xiiii, não mesmo.


Fechou a porta na cara de Quatro.

Quintos dos Infernos!

domingo, 6 de setembro de 2009

Capítulo II - Idoneidade Moral

Dois não era tão invisível assim, não pelo menos enquanto Três morou naquela casa. Na verdade, até gostaria de ser invisível na sua presença. Nada passava despercebido aos olhos de Três. Havia aquela mistura indigesta de inveja e admiração (e talvez um pouco de insubordinação também). Mas 3 era implacável:
-Dois! Quero ver isso muito bem limpo! Onde você escondeu isso? Por acaso comeu minha comida macrobiótica?!- Argh!!

Três havia sido daqueles bebês que mamam olhando diretamente nos olhos. Talvez fosse sua índole, talvez fosse a criação, mas fato eram seus frouxos freios morais. Desde de cedo sabia o que e quando queria. Existiam as garotas que gostavam daqueles que tinham carros, as que gostavam dos fortes e Três... 3 gostava dos ricos, dos muito afortunados ou simplesmente esbanjadores.
Na sua faculdade de psicologia, cursou todas as possíveis experiências juvenis... desde a manjada farinha à orgias e os famosos banhos nudistas nas piscinas mais cafonas da batida high society.
No entanto, finda a formação era a hora de caçar. Dentre tantos milhares, Um veio bem a calhar. Um era 1 idiota perfeito, o ratinho Pinky do laboratório.
Um, de alto QI mas baixo QE tendia às pequenas traições. Não era capaz das grandes e intrincadas maquinações femininas de 3; pior deixava vestígios... Bem, o divórcio veio bem a calhar.
Usando sua secretária de isca, Três conseguiu armar o cirúrgico flagrante, apresentando logo após sua leiga mas não menos eficiente formação relâmpago em teatrologia -Ai, como pode?! Seu cachorro!-

(Hahahaha, mulheres...)

Daí em diante foi fácil, bastou uma rápida caça ao velho patrono 61 (ou um patrono velho), antigo amigo de Um e perdidamente entesudado (se é que esse termo existe) por Três. Depois de 2 azuizinhos foi como se colocassem vaselina: processo, pedido de alimentos, divórcio direto, audiência de tentativa de conciliação, audiência de instrução e julgamento, cônjuge culpado, mais choro, sentença, execução de sentença e por fim, os famosos 50%. Delícia.
Agora é só esperar o moribundo instrumento jurídico morrer pra abocanhar outros 50%. Por ser futura viúva meeira de Sessenta e Um, terminaria a campanha com 100% de aproveitamento e sem tomar gols. Maravilha.
Infelizmente sempre há um porém, a exceção da regra, o pequeno detalhe, o mini micro angström esperando silencioso para se manifestar: 4.
Quatro era filho de Meia Um e não deixaria a víbora, bruxa, p*ta... sair-se tão bem. Não assim tão facilmente.

Enquanto isso Um faz suas contas sozinho:

1 - 3 = R$ 8.000.000,00


sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Capítulo I - O Mármore de Concreto Liso


-Nem toda biblioteca grande é uma grande biblioteca.

Pensava Um. Vista para um grande átrio, jardim de inverno e saborosos ocos livros de madeira barata (talvez pínus). Belíssimo padrão de chão marmorizado (branco, óbvio!), mesa de Jacarandá Paulista, madeira de lei, tapete persa, charuto, canetas Mont Blanc e o famoso (mas vintage) forro verde claro sobre a mesa.
Olhava para os bens como tentáculos sobre seu império. Mas qual império? Quem finge ler livros, atulhando a biblioteca de livros encalhados em sebos teria condições imperiais? Ah Sim! Teria. Estamos no Brasil hodierno. Odioso Brasil queimando na brasa do famoso pressal. A nação que já gastou o que nem recebeu.

Um é uma dessas pessoas. Tem mais não tem. É bem cliché: quanto mais adquiria mais perdia em humanidade. Quanto mais multiplicava, menos dividia e constantemente diminuía.
Olhava para o todo, mas parafraseando: "não pesando em nada". Um esperava por Dois. Ao contrário do que se podia pensar, Dois é do sexo feminino.

Dois é o mísero pedaço de ferro retorcido que sustenta este digníssimo país. Pobre, evangélica e com dois filhos na cadeia. O segundo até poderia estar livre, mas infelizmente chamou "Sua Excelência" de "Seu Excelente" e acabou de vez com a possibilidade de transação penal. O primeiro merecia estar lá mesmo. Nem preciso dizer que a segunda personagem não é viúva. O pai dos rebentos vive, mas sabe-se-lá aonde...

Um que esperava o café, não notou quanto Dois chegou, nem quando partiu. É insignificante demais para se notada, o que faz parecer que o líquido preto dentro da xícara simplesmente apareceu na mesa. Um não liga pra Dois, mas Dois precisa (e muito) importar-se muito com Um, porque Dois é uma adaptação bisonha do regime que figurou até os idos da Lei Euzébio de Queiróz.

Mas não fique com pena de Dois. Não é por ser pobre que é boa. Tolhe seu patrão no vale transporte inventando rotas mirabolantes, inventa morte de parentes, doenças crônicas, exames nunca realizados entre outros embustes.

Até pouco tempo havia Três. Todavia Um aprontou o suficiente para que Três fosse embora. Depois de horas de puro ócio, Um concluiu:

-Que m**da.