quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Capítulo IV - Todo Preço tem seu Homem

Desespero. O desespero nos toma assim como tomamos decisões erradas e precipitadas. Hoffnungslosigkeit. A urgência na pequena decisão eclipsa até os maiores detalhes; escapam as peças, perde-se a jogada... por hora Quatro está em xeque.

Cinco
não estava abalado nem furioso. Na verdade até havia se esquecido daquela tentativa extrusiva. O mau passado se ignora, se esquece. Vicário. Vicariante.

5 nasceu para ser um Daqueles. Não daqueles, mas Daqueles. A carga genética da inteligência lhe transbordava. O genitor: professor universitário (matemática); A genitora: professora universitária (física). e os progenitores: todos graduados e pós-graduados, mestres e doutores. (exatas, exatas e mais exatas) Tudo às mil maravilhas. Ali havia história.
Na sua infância foi precoce. Bom matemático, exibia-se fazendo contas complexas de cabeça, mas na verdade era uma pessoa polímata. Pulava alguns anos na escola e aos quinze já detinha o direito de prestar o vestibular. Apesar de ser sempre o melhor da classe, jamais quis frequentar uma escola para crianças prodígio, afinal era preferentemente enaltecedor ser o primeiro entre os últimos ao último entre os primeiros.

Mas na universidade tudo é diferente, não funciona como no colegial. Lá dentro existem outros iguais e, assim, a concorrência é sempre mais dura. É difícil chamar a atenção, principalmente se há a história das gerações passadas para cobrar o altíssimo padrão intelectual exigido. É a pressão. A pressão nos põe em xeque.

Não bastando o bacharelado, jornalismo. As palavras, os textos os gestos exuberavam em Cinco. Era predestinação. 5 a bem-aventurança não conhecia limites, era um expert em todas as áreas, inclusive no magistério, seu preferido. Saiu-se ótimo advogado e, posteriormente, excentricidade nata dos gênios, decidiu pelo jornalismo. Sentia-se mais livre com as palavras informativas comparado ao estrito mundo dos brocardos jurídicos ou os enfastiantes fatos jurígenos. Não, sua letra era livre, era lírico. Não foi fácil, mas ao trocar as exatas pelas humanas (essa até deu pra família engolir) reconheceu-se. Gostou das leis, contudo o jornalismo foi um pouco mais do que seu (não tão) pobre pai podia aguentar. Assim, fez-se Édipo Rei (
OΙΔΙΠΟΥΣ ΤΥΡΑΝΝΟΣ).
Agora era livre, assim como o homem está condenado a ser livre, assim como a essência precede a existência... assim como Orestes, ao levar as moscas de Argos.

Todo filho precisa matar o seu pai. Sair de seu sua sombra e destruir seu ninho.

Estava livre, mas estava sozinho. Precisava de um coletivo para se juntar, para se sentir completo, para se sentir parte. Qualquer rebanho seria bom, afinal já contava com quase trinta anos, foi bem sucedido antes, mas jogado nas águas escuras do desconhecido, tudo seria diferente. Sua decisão não seria bem aceita em seu meio, e, agora proscrito, outro meio haveria de ter... e teve.

Cinco andou até o arquivo de metal, empurrou para o lado. Atrás, além do pó e toda sujeita revelava-se uma portinhola. Como boa parte da parede não tinha reboco, disfarçava-se ainda mais o esconderijo. Sem maçaneta, era preciso de uma certa perícia; uma chave de fenda. Aberta tumba retira-se o sudário. Nas mãos papéis carcomidos por traças, amarelado. amassado, entregue ao passado, no entanto, ressuscitado dos mortos, dos arquivos mortos.

Dois abria as cortinas. As cortinas daquela casas tinham um peso maior ao das outras. Era engraçado, mas tudo que é adquirido do sofrimento alheio traz um peso todo especial. É como morar na Suíça, uma riqueza construída com a corrupção brasileira, o sangue africano e a semiescravidão asiática. Há um peso no ar, nas coisas, nas pessoas... elas sabem, sabem da onde vem seu bem-estar (podem até censurar esta parte do livro, mas vocês sabem quem são, ah se sabem!).

Voltando: Dois abria a casa para luz, a casa que muito bem podia ter sido erguida usando corpos humanos ao invés de argamassa; Era a alma do povo brasileiro, o povo que jamais irá adentrar. Só admirar, do lado de fora, fora, fora... daqui.

Um, agora enfurnado na escuridão, ignorava o movimentar de Dois. Não estava acostumado a perder. Criou a cobra e foi ferido. Não lhe caiu nada bem este chute nos colhões. O partido não gostou. Haverá retaliação. Ela virá à cavalo, mas é certo que virá.

Uma força magnânima o forçou para fora da poltrona. Desanimado e com a inteligência trabalhando em sobrecarga (Um tem mais massa branca e menos cinzenta comparado às pessoas normais), vai até a janela aberta, sequer dirige o olhar à Dois e vê, na rua, que também é observado. Cinco está lá, fitando, encarando, com as mãos em suor. Um se surpreende, desvia o olhar, evita contato visual e volta a fitar. 1 já está acostumado à pressão, não sua, não treme, não se intimida. Sabe o que 5 quer fazer. É bom jogador, sabe analisar as probabilidades, sabe do desespero ganancioso e despreparado de 4, a raiva mal aplicada de 5. Está arruinado, e um homem em ruínas é um ser sem medo, e quem coisa nenhuma possui não tem nada a perder. Vai se re-erguer politicamente. Lógico que tem o ministério público em seu encalço. Três lhe tomou bens que não existiam no mundo jurídico. Tomou coisas que não lhe pertenciam tão somente, pertencia à sua coletividade sectária. Vai utilizar da raiva alheia, sabe mexer com os sentimentos de outrem. Lida com povo e povo não é inteligência, não é razão, a plebe é emoção, pura sentimentalismo popularesco; é fácil de manobrar.

O telefone toca, Dois, uma sombra, atente e rapidamente passa à Um. Seria melhor representado se o telefone pulasse do gancho e fosse diretamente às mãos de Um. 2 = 0; Aqui 1+1 não é = 2, 1+1 pode até ser 3.

Era Seis... quem falava era 6.

A mão de Um começou a estremecer. Xeque.





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