segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Capítulo IX - 999

Não era música, era massa sonora ruidosa. Coisa pestilenta. Reproduzida por um acordeão, triângulo, teclado (bem brega por sinal) e outros instrumentos. Uma moça usando top(zinho), rebolando e expondo a gelatinosa pança para sua platéia. Abusava dos agudos vocais até o estouro dos tímpanos dos mais incautos.

Seu par de canto, não menos ridículo, tem o cabelo alisado à base de muito hair tong, mais conhecido nessas bandas como "chapinha". Só mesmo muito manguaçado pra aguentar o ambiente catinguento pelo excesso populacional. Uma mescla de cigarro, pinga e suor. Infelizmente para muitos a única fonte de lazer que cabia no orçamento doméstico.

O mulambo cruza uma floresta de pessoas com o fumo na mão. Incrivelmente consegue se esquivar de todos os transeuntes na pista até chegar ao balcão. Pupila dilatada e o branco dos olhos tão vermelhos quanto os néons de bordéis locais. Pede mais uma, a décima, mas ainda está de pé. Puxou muitas viagens com a carroça durante o dia.

No recinto, uma mulher encorpada, dentro do seu vestido de pano, dança fastiamente seu forró. Parece não estar muito interessada no seu par e sai para pegar mais uma bebida...

-Oi, você não é moço da carroça?

Ele responde: -

-Ãn, mmm mmm (tradução: é, sou).

Ela insiste na conversa: - E o que o Senhor tá fazendo aqui?

Ele retruca: -Tva, é mm eu luuugrrrr sssa irrrr... (Estava, garbosa mulher. Este estabelecimento é de minha magnânima preferência).

Dois percebe que Oito está prestes a cair, carrega-o em seus grossos braços e vai pra pista.

Agarra-o e começam a dançar.

Ele: -kkk qãn bmmm kkra thá? (Por que me carregas em teus membros superiores. Por onde andaria teu exordial companheiro?).

Ela surpresa por ele ter reparado: -Vamo dançar! Vamo dançar! Ele deve tá caído por aí.

Oito volatilizava o álcool em velocidade sobre-humana. Naquele momento os dançarinos, a zabumba, sanfona e triângulo eram um só. 8 revelava-se ágil nos passos e firme na dança. Conduzia 2 como só se houvesses somente os dois, ou melhor, como um só.

A poeira levantava, as horas passavam, pessoas iam embora, a banda há muito deixou de tocar e mesmo só com o som do DJ, o momento congelara-se lá. Dois até pensou um pouquinho no homem quem dançara anteriormente -Ele já deve ter ido embora-. Não gastou muito tutano com isto.

Não é preciso dizer que pouco antes do amanhecer ambos estavam num dos motéis econômicos da região. Mais um dos notórios coitos à brasileira [sem proteção] (quando essa gente vai aprender?!).

Dois retornou para sua moradia esfuziante. Oito voltou pra qualquer lugar. Onde deitava sua cabeça era seu lar.


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Cinco acabara de fazer amor com Oitenta e Cinco. Esta se levanta pega as roupas e se apronta para sair. Ele um tanto incomodado com esta reiterada postura indiferente pergunta:

-Por que você faz sempre isso, por que não fica um pouco mais comigo?

Ela ríspida: -Ué, é meu dono agora?!

Sai batendo a porta.

Cinco aos poucos começa a entender como as coisas são. Seu coração apertado e angustiado já processavam a informação de que não é mais a prioridade de 85. Há muito já notava. Acabara-se a adrenalina, a pegação, as tardes antes das aulas. Tudo estava intensamente rápido, frio, vazio.

Não tem muito tempo para seus anseios. Logo deveria encontrar-se com Um para a reunião do partido. Cinco passou os últimos cinco dias elaborando o jornal interno e circulares. Seria um importante passo profissional, afinal quase todos os jornalistas do país de alguma forma eram ligados à ala que pertencia. Queria estar neste momento no lado vencedor e Um era uma estrela em ascensão.


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-Um é uma estrela em total decadência. Explicava Seis ao estagiário, 10: -Teoricamente não vamos usar o dinheiro do partido na campanha, um terá que suar para financiar sua jornada rumo à Prefeitura.

-Mas como ele vai conseguir tanto dinheiro, depois de tudo? Seis, um tanto atarantado pela pergunta inesperada: -De Nove pode-se esperar tudo. Provavelmente negociarão cargos na administração direta e no Tribunal de Contas Municipal que criaremos.

Dez, com o fulgor da inteligência da juventude, porém ingenuamente: -Mas não é proibido pela Constituição no seu parágrafo quarto do artigo trinta e um?

Seis e Um começaram a gargalhar com tamanho disparate como não faziam há tempos.

Desconheciam a palavra proibido. Acho que também desconheciam a palavra Constituição.


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No coração financeiro da capital, Nove reunia-se à nata metropolitana.

9 é diferente de outros presidentes de federações de indústria. Tem pedigree, é bisneto de italianos que chegaram da imigração, o bisavó no começou como industriário e rapidamente subiu, chegando a ter sua própria indústria. O avô deu continuidade, aumentando o número de fábricas; o pai veio e modernizou o parque industrial, sofreu com as "grandes greves" da "grande metrópole". Nove praticamente sumarizou o veni, vidi, vici das gerações antepassadas. Sua liderança é inconteste no meio. Entrou e saiu da política várias vezes para defender os interesses do seu estado (entenda como quiser), sendo o Senado uma de suas casas favoritas.


Entretanto, sofre de um pequeno desvio. Uma moléstia de família que seus progenitores também não conseguiam disfarçar: a concupiscência. Nenhum mesmo... o bisavô pelas concubinas, o avô pelo jogo, o pai pela erythroxylum coca e 9 por sua pública compulsão sexual por homens.


Por saber lidar muito bem com o poder, a ala religiosa não consegue detê-lo, por isso aceitaram a derrota e tentaram contemporizar. Era melhor juntar-se a ele, pois sua ira é colossal, não admite traições. Carreiras brilhantes já sucumbiram em apenas uma ligação sua às pessoas certas. A primeira coisa que se ensina ao imprudente antes conhecê-lo: é que não pode ser contrariado. Ainda assim, sua bênção é prestigiosa, apesar do alto preço cobrado em troca. Às vezes alto demais.


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Seis seguia uma instrução cuja sugestão fora de sua autoria. É jocoso como nossos chefes nos tomem as ideias como se deles fossem. É como no Brasil que tem sua biodiversidade explorada, copiada ou simplesmente pirateada e depois somos obrigados a comprar mesmíssimos produtos que por direito natural já eram nossos!

Após instruir Um para a reunião, Dez, o estagiário, perguntou: -E o que vai acontecer nessa reunião?

Seis após um pequeno momento de reflexão, disse: -Realmente não sei.

Sentiu que pela primeira vez poderia perder o controle da situação. Nove era onipotente, onipresente, e onisciente nesta parte do país. Um deveria tomar muito cuidado com as palavras, bem como deveria aceitar qualquer termo, encargo ou condição que lhe fosse imposto. Era muito dinheiro pra recuperar em apenas dois anos de mandato. A eleição presidencial era uma constante. Era preciso fazer 666 virar 999, a qualquer preço.


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Onze ainda não entra na história.


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