sábado, 12 de setembro de 2009

Capítulo VI - Ramsa

Cinco estava exultante. O misto de perigo e incertezas mal o fazia andar. As pernas estavam tontas, lerdas, formigantes. Havia uma certa histeria no ar, um ritualismo ao modo primitivista, o calor humano subia por quase dois metros do chão. O tiamat rastejava por toda reitoria, o caos. Ecoavam as vozes, confusas, principiológicas, uníssonas e dissonantes. Mais-Valia, classes sociais, Trótski, o Capital, o Manifesto... Tantas informações, 5 mal conseguia processá-las, mas sentia vivo, completo, realizado.

Todos comiam das mesmas panelas, dividiam as tarefas e faziam a glória do socialismo utópico.

Um deles, exaltado: -Temos que resistir, resistir companheiros!

Outro: Viva Marighella! Viva Lamarca!

Todos, inclusive 5 (totalmente alheio ao assunto): Viva!!!

O líder: -Tão falando que a polícia vai invadir!

Barulho, tumulto, todos querendo falar.

Um deles: -E agora, saímos?

Líder: -Não, vamos resistir.

Alguns: Mas como?

Antes que o líder pudesse falar, Cinco: Eles tem mandado?

Silêncio Geral.

-Isso mesmo, eles tem mandado de reintegração de posse, esbulho possessório? Olha para Oitenta e Cinco, ela retribui.

Todos ficam um pouco mais aliviados, o líder chama Cinco para negociar, pergunta como sabe "dessas coisas". 5 diz que já advogou e conhece as leis, sabe que antes de mais nada a greve precisa ser declarada legal e todos os trâmites legais. O líder chama-o para participar do comando, para dar consultoria jurídica. Não hesita, vai incontinente.


Num piscar de olhos nosso quinto elemento já está no núcleo duro da paralisação (um verdadeiro Большевик).


Um e Seis aguardavam numa sala extremamente bem iluminada. Luz branca de teto, a mais econômica. A mesa, agora uma negra de madeira vagabunda (coisas de licitação), paredes brancas preenchidas com réplicas de quadros conhecidos (van Gogh, Paul Gauguin, Rembrandt [as castas são todas iguais] entre outros). Vinte lugares ainda vazios, Seis:

-Optei por sua execução, sumária; não tenho pena de você.

Um, assustado: M... m... m... mais. Seis cortando (escarnecendo): m-m-morto, mortinho, pastando pela raiz.

Um se cala.

O Grupo entra na sala, todos olham para Um, mas este mira o chão. Vergonha.

O mais velho:

-Escolheu o terno?

Um: -foi Três!

Todos riem.

Sênior (num tom sossegado e grave, como a um pai): Não meu filhote. Foi você. O dinheiro não era seu.

Um, desesperado: peguem a Três, a 3!Foi ela p**ra.

Silêncio.

Sênior: Como Seis já deve ter mencionado, sua morte (lenta e com muita dor) foi amplamente debatida. Todavia, por hora ela está suspensa. Um fica confuso. Aliviado.

Sênior: Graças as suas palhaçadas, não podemos mais apoiar o candidato Cento e Vinte Um. Sei idiota! Os cargos já foram loteados, estava tudo certo. Seu erro nos custou o caixa da eleição presidencial. Bate na mesa com força. Somos obrigados a lançar um candidato próprio agora! Temos que quebrar a aliança.

Ninguém se mexe, nem mesmo piscam. Um apenas escuta, sabe o que uma interrupção poderia lhe custar.

Sênior, desalentado: -Não preparamos ninguém.

Seis se levanta.

Sênior continua: -por isso lançaremos você como candidato.

Um arregala os olhos, mas não tem coragem de se manifestar.

Sênior, em conclusão: -Seis cuidará de sua campanha para prefeito, se quiser viver obedeça cegamente, não questione e vença a eleição. Reabasteceremos o caixa e reorganizaremos a coligação em nível federal, ficam prejudicadas as alianças estaduais e municipais... (pensa antes de falar)... -Não obstante são males menores, contornáveis com o dinheiro dos campos. Retoma o pensamento: -Agora saia da sala e espere lá fora.

Um sai.

Sênior para Seis: -deixo aos seus cuidados o financiamento e toda campanha. Está tudo em sua mão, não nos decepcione.

Seis: Não Senhor.

Sênior levanta e dá um abraço em Seis: -ótimo meu amigo. Se obtiver êxito sabe o que lhe espera.

Seis sorri e repete: -Não falharei.

Sênior de saída com o grupo: -Sei que não.

Lá fora o sênior do grupo lança um olhar para Um. Espada de Dâmocles.


Quando somente Seis e Um sobram na antessala, o primeiro agarra-o pelo colar, olha em seus olhos e efusivamente: -Se estragar tudo perderá os bagos.

Um não tem o que falar. Já fora um bom estrategista, hoje está politicamente prostrado. Seis será seu Virgílio no inferno.


Seis nasceu no seio de uma pobre família. Porém o pai de Seis teve a sorte de servir o coronel do Estado e cair na sua graça, assim, entregou seu filho para ser criado e doutrinado pelo político mais forte da região. Atravessou todas etapas da hierarquia cangaceira até se tornar braço direito de seu mentor. Seis apesar de ser o terceiro de sete filhos, foi o escolhido como seu sucessor na vida pública, graças ao desalinho da prole legítima, bem como seu frio temperamento e obediência cega. Num Estado acima do Trópico de Capricórnio e abaixo da Linha do Equador, seu coração endurecera. Não se apegava a ninguém além do seu padrinho (the godfather, el patrón). Este em troca este lhe pagou os estudos e ensinou tudo o que podia, ensinou muito mais do que ensinara a seus filhos de estirpe. Seis sabia disso e era grato. Mas mais do que podia esperar, aprendeu a odiar, a desprezar a manipular. Era sozinho e preferia assim, era mais fácil. Se passasse dificuldades com distrações humanas, resolvia rapidamente nos lupanares da vida. Aos vinte e cinco anos, era um expert. Muitos vinham pedir sua benção antes de encontrar o “patrão” (Capo di tutti Capi).

6 está em plena ascensão enquanto 1 decai. Mas Seis não é como Um, ele não é humano, não é capaz de ser ludibriado por súcubos ou íncubos; os nós do tapete de sua vida estão bem apertados.


O telefone toca e Sete acorda. Tem uma péssima notícia. Seu candidato (Bispo 121) à prefeitura da metrópole sofreu uma overdose num quarto de motel com duas companheirinhas. Rapidamente se levanta, liga para o assessor:

-E a imprensa?

Assessor: -Está tudo controlado, a história do motel sequer foi mencionada, sabem de nada. As notas saíram como exames de rotina ou estresse da campanha. Perfeito.

Sete: -E... e... e ele vai se recuperar?

Assessor: -Não sei senhor, acho que está fora de combate.

Sete: -m**da! Ligue pra mãe deste fdp, aquela crente dos infernos; Ela vai me pagar! E a coligação municipal?

Assessor: -Estamos sem candidato, o vice é inviável. Quer que eu ligue para Brasília?

Sete: -Por favor.

Assessor: -Mais alguma coisa senhor?

Sete: E ligue também para Quatro, preciso ter uma conversinha com ele.


7 se levanta da cama imerso em pensamentos. Dirige-se ao seu bar particular, desatarraxa uma tampa e deixa o líquido derramar lentamente sobre o copo. No primeiro gole a garganta queima um pouco, mas nos demais os nervos começam a aligeirar. Pensa consigo mesmo:


-Ruínas

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